Diego Orozco exibe identidade de estrangeiro, adquirida
no Brasil. Sonho é conseguir visto permanente
(Foto: Igor Jácome/G1)
11 de SETEMBRO 2018 - Diego Orozco, 34 anos, ainda lembra do dia em que teve que explicar à esposa e à filha mais velha que só havia duas opções para a família: "pela situação, ou ficavam todos juntos com fome, com problemas, ou eu ia embora e pelo menos íamos ter a esperança de aparecer algo melhor", conta. Desde então, a família venezuelana passou por vários meses de saudades, até se reencontrar em Natal em novembro de 2017, onde conta com uma rede de solidariedade.
"Eu primeiro pensei em ir até a cidade que faz fronteira com o Brasil, Santa Elena de Uairén, que tem comércio melhor, por ser um povo fronteiriço. Em Santa Helena, percebi que o problema era muito parecido, não tão difícil como no centro do país, mas difícil. Aí tomei a decisão de entrar no Brasil e procurar melhores oportunidades", lembra o estrangeiro, natural do estado de Carabobo.
Depois de dois anos desempregado e sem conseguir trabalho em outros estados na Venezuela, onde nasceu e cresceu, Diego entrou no Brasil no ínicio do ano passado, pelo principal caminho usado pelas pessoas que fogem da crise venezuelana: a fronteira com o município de Pacaraima, em Roraima. Seus companheiros de viagem: uma mochila e quase nenhum dinheiro.
Nos primeiros dois meses, sobreviveu de pequenos trabalhos realizados na região, limpando quintais, ajeitando aparelhos de ar condicionado, até perceber que a situação estava ficando complexa, pela quantidade de venezuelanos na região. Foi então que ele resolveu cortar o país em boleias de caminhões. Foram incontáveis caronas e pelo menos cinco estados percorridos, até chegar a Minas Gerais. "Fui viajando, viajando, viajando, sempre de carona em carretas. Ficava em postos algum tempo até aparecer outra pessoa pra ajudar", conta em bom português, com inegável sotaque.
Acolhido por uma senhora que conheceu em Minas Gerais, Diego ganhou uma passagem de avião para Natal, onde foi recebido por familiares dela, e agora busca se estabelecer. Ele está em seu segundo emprego. Começou trabalhando em um petshop. Atualmente, opera empilhadeira em uma fábrica de plásticos de Parnamirim, na região metropolitana da capital. Foi mandando algum dinheiro para casa e, com a ajuda de novos amigos brasileiros, conseguiu trazer a família no final de 2017. Eles moram em uma casa alugada, em Parnamirim.
Agora, a família tenta conseguir um visto permanente no país. No caso da filha mais nova, que tem seis anos de idade e ainda não tinha documentos, a luta é por refúgio.
Sistema em colapso
"A gente não tem garantido o direito à alimentação, o direito à vida, à saúde, à educação, ao trabalho, mesmo", diz Diego sobre a Venezuela. "Quando o sistema político e econômico fracassa, colapsa, não garante à sociedade esses direitos mínimos para viver. Quando você não tem alimento, não compra medicamento, quando tem insegurança, etc, não tem futuro. As novas gerações, meus filhos, não têm futuro lá. Mesmo que eles consigam continuar seus estudos, não dá, porque o mercado laboral não existe", considera.
Diego Orozco lembra que até 2014 trabalhava como técnico em uma indústria, no seu estado natal. Sua esposa, com formação em psicopedagogia, também tinha um emprego. Juntos, compraram uma casa e possuíam um carro - uma vida modesta, mas tranquila. Foi no final daquele ano que a situação do país começou a declinar drasticamente, segundo ele. A indústria sequer conseguia matéria-prima para continuar a produção. O desemprego chegou. Eles procuraram outros trabalhos, mas sem sucesso.
"Comecei a vender carro, ferramentas, tudo que podia vender", lembra Diego. Mas o venezuelano considera que a situação é pior do que apenas falta de renda. "A gente pode até ter emprego, mas não tem acesso à alimentação, pelo fato da superdesvalorização da moeda. Tudo é muito alto. A pessoa com um salário mínimo só consegue comprar uma bandeja de ovos e um frango, por exemplo. E você não encontra, os supermercados ficam desabastecidos. A gente fazia fila de três dias no supermercado esperando que aparecesse um caminhão com alguma coisa. Você não tem tempo para trabalhar, porque está na fila. Gera um desequilíbrio muito grande. Mesmo trabalhando, não tem condições", pondera.
"É uma crise política, econômica e social. Política pela situação do sistema que lá tem, econômica, porque o modelo político impõe um modelo econômico que colapsou; e social porque, infelizmente, insegurança, violência, tudo isso aumentou, e não dá para viver lá", lamenta.
Novo lar
O sonho da família Orozco é continuar no Brasil. Diego afirma que, do seus país de origem, sente falta apenas da mãe, do irmão e dos primos. Até na gastronomia, prefere a brasileira. "Brasil é um país maravilhoso, com uma cultura muito bonita, acolhedora, hospitaleira. São pessoas abertas a acolher o estrangeiro, gostam de conhecer a gente e de ajudar. É maravilhoso. Aqui é melhor que lá em todos os sentidos, gastronomia, os temperos, tudo", complementa.
Em Natal, além da solidariedade da família que acolheu Diego no princípio, os Orozco contam com a ajuda de novos amigos que fizeram. Eles também são atendidos por um programa da Universidade Potiguar (UnP) que atende refugiados e imigrantes em situação de vulnerabilidade que chegam à capital. De acordo com a estudante do curso de Relações Internacionais Gilce Azevedo, de 28 anos, o Projeto Sem Fronteiras oferece serviços de odontologia e atendimento médico, além de assessoria jurídica a essas pessoas, que enfrentam barreiras com a lingua e documentações, na maior parte das vezes. Atualmente, 30 estrangeiros são cadastrados no programa.
"Natal não recebe muitos imigrantes. A gente vê que a maior parte dos venezuelanos está concentrada no Norte e, agora que o governo está começando a interiorizar eles no país, estão focando no sudeste. Não existe um grande fluxo para cá. No programa, os únicos venezuelanos são Diego e a família dele", conta Gilce.
Por Igor Jácome, G1 RN
"Eu primeiro pensei em ir até a cidade que faz fronteira com o Brasil, Santa Elena de Uairén, que tem comércio melhor, por ser um povo fronteiriço. Em Santa Helena, percebi que o problema era muito parecido, não tão difícil como no centro do país, mas difícil. Aí tomei a decisão de entrar no Brasil e procurar melhores oportunidades", lembra o estrangeiro, natural do estado de Carabobo.
Depois de dois anos desempregado e sem conseguir trabalho em outros estados na Venezuela, onde nasceu e cresceu, Diego entrou no Brasil no ínicio do ano passado, pelo principal caminho usado pelas pessoas que fogem da crise venezuelana: a fronteira com o município de Pacaraima, em Roraima. Seus companheiros de viagem: uma mochila e quase nenhum dinheiro.
Nos primeiros dois meses, sobreviveu de pequenos trabalhos realizados na região, limpando quintais, ajeitando aparelhos de ar condicionado, até perceber que a situação estava ficando complexa, pela quantidade de venezuelanos na região. Foi então que ele resolveu cortar o país em boleias de caminhões. Foram incontáveis caronas e pelo menos cinco estados percorridos, até chegar a Minas Gerais. "Fui viajando, viajando, viajando, sempre de carona em carretas. Ficava em postos algum tempo até aparecer outra pessoa pra ajudar", conta em bom português, com inegável sotaque.
Acolhido por uma senhora que conheceu em Minas Gerais, Diego ganhou uma passagem de avião para Natal, onde foi recebido por familiares dela, e agora busca se estabelecer. Ele está em seu segundo emprego. Começou trabalhando em um petshop. Atualmente, opera empilhadeira em uma fábrica de plásticos de Parnamirim, na região metropolitana da capital. Foi mandando algum dinheiro para casa e, com a ajuda de novos amigos brasileiros, conseguiu trazer a família no final de 2017. Eles moram em uma casa alugada, em Parnamirim.
Agora, a família tenta conseguir um visto permanente no país. No caso da filha mais nova, que tem seis anos de idade e ainda não tinha documentos, a luta é por refúgio.
Venezuelano Diego Orozco viajou de Roraima a
Minas Gerais de carona em carretas
(Foto: Igor Jácome/G1)
Sistema em colapso
"A gente não tem garantido o direito à alimentação, o direito à vida, à saúde, à educação, ao trabalho, mesmo", diz Diego sobre a Venezuela. "Quando o sistema político e econômico fracassa, colapsa, não garante à sociedade esses direitos mínimos para viver. Quando você não tem alimento, não compra medicamento, quando tem insegurança, etc, não tem futuro. As novas gerações, meus filhos, não têm futuro lá. Mesmo que eles consigam continuar seus estudos, não dá, porque o mercado laboral não existe", considera.
Diego Orozco lembra que até 2014 trabalhava como técnico em uma indústria, no seu estado natal. Sua esposa, com formação em psicopedagogia, também tinha um emprego. Juntos, compraram uma casa e possuíam um carro - uma vida modesta, mas tranquila. Foi no final daquele ano que a situação do país começou a declinar drasticamente, segundo ele. A indústria sequer conseguia matéria-prima para continuar a produção. O desemprego chegou. Eles procuraram outros trabalhos, mas sem sucesso.
"Comecei a vender carro, ferramentas, tudo que podia vender", lembra Diego. Mas o venezuelano considera que a situação é pior do que apenas falta de renda. "A gente pode até ter emprego, mas não tem acesso à alimentação, pelo fato da superdesvalorização da moeda. Tudo é muito alto. A pessoa com um salário mínimo só consegue comprar uma bandeja de ovos e um frango, por exemplo. E você não encontra, os supermercados ficam desabastecidos. A gente fazia fila de três dias no supermercado esperando que aparecesse um caminhão com alguma coisa. Você não tem tempo para trabalhar, porque está na fila. Gera um desequilíbrio muito grande. Mesmo trabalhando, não tem condições", pondera.
"É uma crise política, econômica e social. Política pela situação do sistema que lá tem, econômica, porque o modelo político impõe um modelo econômico que colapsou; e social porque, infelizmente, insegurança, violência, tudo isso aumentou, e não dá para viver lá", lamenta.
Novo lar
Venezuelano Diego Orozco conversa com a estudante
Gilce Azevedo, do Programa Sem Fronteiras, no RN
(Foto: Igor Jácome/G1)
Em Natal, além da solidariedade da família que acolheu Diego no princípio, os Orozco contam com a ajuda de novos amigos que fizeram. Eles também são atendidos por um programa da Universidade Potiguar (UnP) que atende refugiados e imigrantes em situação de vulnerabilidade que chegam à capital. De acordo com a estudante do curso de Relações Internacionais Gilce Azevedo, de 28 anos, o Projeto Sem Fronteiras oferece serviços de odontologia e atendimento médico, além de assessoria jurídica a essas pessoas, que enfrentam barreiras com a lingua e documentações, na maior parte das vezes. Atualmente, 30 estrangeiros são cadastrados no programa.
"Natal não recebe muitos imigrantes. A gente vê que a maior parte dos venezuelanos está concentrada no Norte e, agora que o governo está começando a interiorizar eles no país, estão focando no sudeste. Não existe um grande fluxo para cá. No programa, os únicos venezuelanos são Diego e a família dele", conta Gilce.
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