O Ministério Público do Trabalho ajuizou ações em
cidades como Santa Cruz do Sul, no Rio Grande
do Sul — Foto: Divulgação/MPT-RS
04 de MAIO 2019 - Rebeca atendeu ao telefone e ouviu o que mais esperava: "Temos uma vaga com o seu perfil". A proposta era um cargo de gerente, em que ganharia quase R$ 30 mil. Tinha cara de emprego dos sonhos, diz ela. "Mas em 10 ou 15 minutos de conversa, no dia seguinte na agência, percebi que era um golpe."
Ela não é a única a contar essa história.
O número de pessoas em busca de vaga no Brasil aumentou 10,2% no primeiro trimestre do ano e soma agora 13,4 milhões de trabalhadores, segundo números divulgados no fim de abril pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
É uma fila que, na medida em que crescia, também via se multiplicarem acusações e indícios de vagas falsas e de outros artifícios lançados para enganar desempregados e tirar dinheiro deles no país. O quadro é apontado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), pelo Procon-SP e pelo site de defesa do consumidor Reclame Aqui - e confirmado por analistas.
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"Infelizmente, são situações que se repetem, fruto da ação inescrupulosa de pessoas que tentam tirar proveito da angústia alheia, derivada do desemprego ou aspiração de tantos outros que desejam um progresso profissional", diz o presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-Brasil), Paulo Sardinha. "As práticas consideradas desonestas", afirma, "são executadas por uma minoria", mas os candidatos devem ter cuidado.
Iscas
Em São Paulo, o promotor de Justiça do Consumidor, Luiz Ambra, diz que o Ministério Público começou a investigar "um grupo de pessoas que estaria usando diferentes nomes no mercado para anunciar vagas nos jornais, atrair interessados com promessas de emprego que não existem e exigir que eles façam pagamentos". "Existem evidências muito fortes dessa prática."
Ambra relatou que uma das vítimas ouvidas na investigação disse ter sido atraída por anúncios de vagas para auxiliar de produção e estoquista.
Ao chegar ao local, teria visto 40 pessoas esperando entrevista. A agência, segundo ele, afirmou ao candidato que as vagas já estavam preenchidas, mas que havia outras duas – com salários entre R$ 800 e R$ 1.490 mais benefícios.
"Ele (a vítima) teria mostrado interesse por esta última. A empresa então teria sinalizado que estava tudo certo, que iria ter um treinamento, mas que ele ia ser contratado e só precisaria arcar com o custo do uniforme."
O valor, R$ 390, seria descontado do primeiro salário, mas o convenceram a antecipar com o cartão de crédito. A estratégia teria sido a mesma usada com outros candidatos.
"Depois de efetuado o pagamento, quando vão assinar o contrato, verificam que não tem nada daquilo que haviam acertado – que a empresa só se compromete a prepará-los para entrevistas. Ela também diz que o uniforme está esgotado."
Essa vítima contou em depoimento que conversou com outros trabalhadores que tinham participado de seleções na agência - e que teriam percebido que as propostas eram falsas.
Duas pessoas já ouvidas teriam conseguido bloquear seus cartões de crédito para evitar os pagamentos. Outras, não.
A investigação, segundo Ambra, foi desencadeada por queixas que os trabalhadores registraram no Procon e em sites de defesa do consumidor.
Segundo o Reclame Aqui, 30% das 4.872 queixas registradas no primeiro trimestre de 2019 contra agências de emprego e recrutamento trazem acusações de cobranças indevidas e vagas falsas. A cifra representa um aumento de 11,3% em relação aos três primeiros meses de 2017, e 2,4% ante igual período de 2018.
"Muita gente acaba deixando de denunciar por vergonha ou falta de informação de como proceder. E infelizmente, talvez ocorram mais casos do que aqueles que são registrados", diz o dirigente da ABRH-Brasil, ressaltando que as denúncias também podem ser feitas de forma anônima à polícia e em outros órgãos.
A Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho, do Ministério Público do Trabalho (MPT), apontou a existência de ações em Estados como Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco e Rondônia.
Os casos envolvem empresas que, segundo a Procuradoria, cobravam taxas de candidatos para encaminhá-los a entrevistas ou vagas de emprego ou atuavam, por exemplo, usando promessas de vagas como isca para vender cursos e treinamentos – mas após a assinatura do contrato alegavam aos clientes que a vaga dependeria do desempenho do aluno.
'Colocam um monte de defeitos no seu currículo'
Rebeca, a personagem citada no início desta reportagem, teme que seu episódio atrapalhe outras seleções de que participa – por isso, a BBC News Brasil decidiu não revelar seu nome verdadeiro nem o da empresa.
A paulista de 37 anos atuou como gerente de marketing de uma multinacional até dezembro. Ela conta que foi desligada do cargo após uma mudança no modelo de negócio da companhia, e essa seria a sua sexta entrevista.
A profissional conta que não pesquisou previamente sobre a empresa, mas que ficou "desconfiada" quando recebeu a ligação.
"A mulher disse que era de uma empresa de recolocação, que tinha visto o meu currículo e perguntou se eu poderia comparecer no dia seguinte para ouvir a proposta."
"Como eu já tinha recebido ligações desse tipo, liguei de volta para perguntar se tinham mesmo uma vaga. E ela confirmou que era uma oferta real."
Ao chegar à agência, ela conta que acabou sendo pressionada a pagar R$ 5.000 por serviços que não sabia que seriam oferecidos. O valor seria para a empresa revisar seu currículo, buscar outras vagas para ela no mercado e lhe renderia, de bônus, um serviço de coaching para prepará-la para entrevistas.
"Eles falam que têm uma vaga totalmente compatível com o seu perfil, mas não têm. É só para lhe atrair", diz ela.
"No meio da conversa eles colocam um monte de defeitos no seu currículo, dizem que do jeito que está não conseguem mandar para a empresa, que ele vai ser rejeitado, e aí tentam vender o serviço".
O valor teria de ser pago à vista ou em até seis vezes.
"Se eu fosse contratada, eles pediriam ainda 25% dos meus três primeiros salários".
Pressão
"A pessoa simula uma entrevista, tenta tirar informações de você, como o cargo que você está querendo, quanto você quer ganhar, e aí pega o gancho para fazer a proposta", detalha Rebeca.
"Fazem muita pressão psicológica para você fechar na hora, dizem que a cada dia que você está fora do mercado vai perdendo valor, como um carro que saiu da concessionária e está valendo 20% menos."
Ela já havia sido alertada sobre esse tipo de investida por uma empresa de RH que lhe presta assessoria para recolocação profissional – um serviço incluído no pacote de desligamento que acertou no antigo emprego, por ocupar cargo de executiva.
"Minha consultora também me disse que nenhuma empresa séria, idônea, que está fazendo um processo seletivo, vai cobrar do candidato para fazer recrutamento. Quem paga é a empresa que está contratando, não é o candidato. Eu tive sorte de estar preparada."
Rebeca saiu do escritório sem contratar qualquer serviço. Disse que iria analisar, e respondeu por e-mail que não estava interessada. Só depois ela viu, na internet, postagens de outros candidatos com histórias parecidas.
Em uma das queixas publicadas recentemente no site Reclame Aqui, o internauta diz que recebeu uma ligação da mesma empresa em dezembro, a respeito de uma vaga para ganhar R$ 12 mil. "Mas era mentira, a intenção era apenas me vender pacotes de consultoria em coaching", afirma.
'Brincam com nossos sonhos'
Também neste ano, uma usuária do site se disse "indignada" com uma "falsa promessa de emprego" de outra agência. O foco eram vagas de camareira.
Ela encontrou o anúncio publicado no jornal "propondo início imediato e que davam o treinamento".
Ao ligar em busca de detalhes, a atendente teria lhe dito que a empresa presta serviços para várias redes de hoteis e que o treinamento custaria R$ 300.
"Mas ela garantiu que dentro de um mês eu estaria no mercado, pois os hoteis só contratavam através deles". O caso teria ocorrido em julho de 2018. E o pagamento integral era apontado como pré-requisito para ter o currículo divulgado.
"Eu peguei dinheiro emprestado para fazer".
Cinco meses depois, quando fez o post com a queixa, a candidata afirmava que continuava desempregada, que não havia recebido sequer uma ligação para entrevistas e que ninguém da "turma grande" que fez o treinamento com ela havia sido empregado.
Os candidatos teriam criado um grupo no WhatsApp para acompanhar o caso. "Estou divulgando, pois os anúncios continuam, dessa e de outras que prometem emprego e brincam com nossos sonhos. Por favor, não caiam nessa", diz ela.
"Eu ainda tenho o jornal com o anúncio".
Paulo Sardinha, da ABRH-Brasil, afirma que esse tipo de situação "sugere um golpe".
"A irregularidade consiste em simular a existência de vaga para cobrar por um serviço e induzir o interessado a erro."
'Cobrança não é permitida'
Em uma das ações ajuizadas pelo MPT em 2018, na Bahia, a juíza substituta da 2ª Vara do Trabalho de Feira de Santana, Maria Fernandes Maciel Prado de Oliveira, ressalta que a atividade de agenciamento de empregos não é regulamentada no Brasil. Não existe lei permitindo a cobrança de valores para que o candidato seja empregado, observa ela. Por enquanto, também não existe contra.
Mas os procuradores do MPT sustentam - e alguns juízes, como ela, têm acatado - que "o procedimento fere princípios e normas constitucionais e internacionais", como a Convenção 181 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que "prevê a impossibilidade de as agências cobrarem dos trabalhadores encargos sobre os seus serviços".
Um projeto de lei de autoria do deputado Nilto Tatto (PT-SP), desarquivado em fevereiro para votações na Câmara dos Deputados, também quer proibir agências de cobrar taxas para cadastro de currículo no banco de dados ou inscrição em processo seletivo.
A agência ré no caso da Bahia é acusada de cobrar R$ 10 para cadastro de currículo e, ainda, a retenção de 30% do primeiro salário do candidato - prática que, no entendimento da juíza, "é vedada" e que "viola a proteção ao salário do trabalhador, o valor social do trabalho, a garantia de livre acesso do empregado ao mercado de trabalho face a livre iniciativa e até a dignidade da pessoa humana".
Decisões favoráveis ao trabalhador nesse tipo de ação podem ir desde obrigar a empresa a parar as cobranças, sob pena de multa, até punições como reparação de danos morais coletivos e prisão, se estiver na esfera criminal.
'Deve-se desconfiar'
Mas e se o telefone do trabalhador toca e alguém diz ter uma vaga com o perfil dele, o que ele faz?
"Deve desconfiar!", dizem os dirigentes da ABRH, entidade filiada à Federação Mundial de Associações de Gestão de Pessoas, que reúne mais de 660 mil profissionais de RH distribuídos em mais de 90 países.
"Isso sugere ser uma prática desonesta ou, pelo menos, pouco profissional. Quando sugerem que a vaga encaixa exatamente com o perfil do candidato, sem ele nem mesmo ter participado de um processo seletivo da empresa ou, por exemplo, baseado em seu perfil do LinkedIn, não faz muito sentido", avalia.
Uma abordagem correta, acrescenta, seria o profissional dizer qual empresa representa, a vaga ou oportunidade que está trabalhando e que gostaria de marcar uma entrevista para avaliar a aderência do candidato a esta vaga.
A empresa também deveria mencionar como chegou até ele, informando de quem recebeu a indicação ou currículo.
A recomendação, segundo a ABRH, é que a pessoa verifique em sites e órgãos de proteção ao consumidor se profissionais e empresas que dizem prestar tais serviços são alvos de reclamações, como as solucionaram e se estão envolvidos em procedimentos de investigação e denúncias.
Empresas abertas recentemente e com pouco ou nenhum histórico de prestação de serviços devem ser avaliadas cuidadosamente, diz ainda. "Cuidado também com consultorias que se dizem vinculadas a instituições, com a nítida intenção de tentar aparentar credibilidade".
"A regra geral", diz o presidente da Associação, "é que pedido de pagamento antecipado em troca de vagas de emprego existentes sugere golpe. E cobrança de parcela dos salários é desprovida de ética".
Os dirigentes da ABRH acrescentam que a prestação de serviços que visam orientar pessoas na melhoria de currículos, comunicação pessoal, preparação apropriada para entrevistas e outras do tipo não é proibida no Brasil e pode ser remunerada.
"O que não pode é associar essa prestação de serviço à oferta de vaga de emprego", dizem eles, confirmando que "via de regra, as consultorias são remuneradas pela empresa que possui as vagas, não cabendo nenhuma forma de cobrança aos candidatos".
'Promessas mirabolantes'
O diretor-executivo do Procon-SP, Fernando Capez, complementa que "promessas mirabolantes" - como salários muito acima da média - são sinais de alerta e que é preciso cuidado redobrado com empresas que garantem vaga".
"Com o desemprego alto, aumenta o desespero das pessoas e é mais fácil cair nesse tipo de golpe", diz ele.
Diante de eventuais reclamações dos candidatos, o Procon pede explicações à empresa e investiga o caso. "Se houver mentira envolvida, além de ser caso de Procon é caso de polícia porque se trata de estelionato", observa Capez.
O diretor ressalta que "o consumidor deve estar atento tanto ao anúncio de emprego quanto a um eventual contrato, se concordar em assiná-lo". É possível levá-lo ao Procon antes para checar se há irregularidades.
"As partes podem assinar contratos, desde que seja às claras. O que não pode haver é mentira".
Apesar de não ter feito uma denúncia formal, Rebeca tem alertado outros profissionais pelo WhatsApp.
"Quantas pessoas não caem nessa armadilha?", pergunta.
04 de MAIO 2019 - Rebeca atendeu ao telefone e ouviu o que mais esperava: "Temos uma vaga com o seu perfil". A proposta era um cargo de gerente, em que ganharia quase R$ 30 mil. Tinha cara de emprego dos sonhos, diz ela. "Mas em 10 ou 15 minutos de conversa, no dia seguinte na agência, percebi que era um golpe."
Ela não é a única a contar essa história.
O número de pessoas em busca de vaga no Brasil aumentou 10,2% no primeiro trimestre do ano e soma agora 13,4 milhões de trabalhadores, segundo números divulgados no fim de abril pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
É uma fila que, na medida em que crescia, também via se multiplicarem acusações e indícios de vagas falsas e de outros artifícios lançados para enganar desempregados e tirar dinheiro deles no país. O quadro é apontado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), pelo Procon-SP e pelo site de defesa do consumidor Reclame Aqui - e confirmado por analistas.
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"Infelizmente, são situações que se repetem, fruto da ação inescrupulosa de pessoas que tentam tirar proveito da angústia alheia, derivada do desemprego ou aspiração de tantos outros que desejam um progresso profissional", diz o presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-Brasil), Paulo Sardinha. "As práticas consideradas desonestas", afirma, "são executadas por uma minoria", mas os candidatos devem ter cuidado.
Iscas
Em São Paulo, o promotor de Justiça do Consumidor, Luiz Ambra, diz que o Ministério Público começou a investigar "um grupo de pessoas que estaria usando diferentes nomes no mercado para anunciar vagas nos jornais, atrair interessados com promessas de emprego que não existem e exigir que eles façam pagamentos". "Existem evidências muito fortes dessa prática."
Ambra relatou que uma das vítimas ouvidas na investigação disse ter sido atraída por anúncios de vagas para auxiliar de produção e estoquista.
Ao chegar ao local, teria visto 40 pessoas esperando entrevista. A agência, segundo ele, afirmou ao candidato que as vagas já estavam preenchidas, mas que havia outras duas – com salários entre R$ 800 e R$ 1.490 mais benefícios.
"Ele (a vítima) teria mostrado interesse por esta última. A empresa então teria sinalizado que estava tudo certo, que iria ter um treinamento, mas que ele ia ser contratado e só precisaria arcar com o custo do uniforme."
O valor, R$ 390, seria descontado do primeiro salário, mas o convenceram a antecipar com o cartão de crédito. A estratégia teria sido a mesma usada com outros candidatos.
"Depois de efetuado o pagamento, quando vão assinar o contrato, verificam que não tem nada daquilo que haviam acertado – que a empresa só se compromete a prepará-los para entrevistas. Ela também diz que o uniforme está esgotado."
Essa vítima contou em depoimento que conversou com outros trabalhadores que tinham participado de seleções na agência - e que teriam percebido que as propostas eram falsas.
Duas pessoas já ouvidas teriam conseguido bloquear seus cartões de crédito para evitar os pagamentos. Outras, não.
A investigação, segundo Ambra, foi desencadeada por queixas que os trabalhadores registraram no Procon e em sites de defesa do consumidor.
Segundo o Reclame Aqui, 30% das 4.872 queixas registradas no primeiro trimestre de 2019 contra agências de emprego e recrutamento trazem acusações de cobranças indevidas e vagas falsas. A cifra representa um aumento de 11,3% em relação aos três primeiros meses de 2017, e 2,4% ante igual período de 2018.
"Muita gente acaba deixando de denunciar por vergonha ou falta de informação de como proceder. E infelizmente, talvez ocorram mais casos do que aqueles que são registrados", diz o dirigente da ABRH-Brasil, ressaltando que as denúncias também podem ser feitas de forma anônima à polícia e em outros órgãos.
A Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho, do Ministério Público do Trabalho (MPT), apontou a existência de ações em Estados como Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco e Rondônia.
Os casos envolvem empresas que, segundo a Procuradoria, cobravam taxas de candidatos para encaminhá-los a entrevistas ou vagas de emprego ou atuavam, por exemplo, usando promessas de vagas como isca para vender cursos e treinamentos – mas após a assinatura do contrato alegavam aos clientes que a vaga dependeria do desempenho do aluno.
'Colocam um monte de defeitos no seu currículo'
Rebeca, a personagem citada no início desta reportagem, teme que seu episódio atrapalhe outras seleções de que participa – por isso, a BBC News Brasil decidiu não revelar seu nome verdadeiro nem o da empresa.
A paulista de 37 anos atuou como gerente de marketing de uma multinacional até dezembro. Ela conta que foi desligada do cargo após uma mudança no modelo de negócio da companhia, e essa seria a sua sexta entrevista.
A profissional conta que não pesquisou previamente sobre a empresa, mas que ficou "desconfiada" quando recebeu a ligação.
"A mulher disse que era de uma empresa de recolocação, que tinha visto o meu currículo e perguntou se eu poderia comparecer no dia seguinte para ouvir a proposta."
"Como eu já tinha recebido ligações desse tipo, liguei de volta para perguntar se tinham mesmo uma vaga. E ela confirmou que era uma oferta real."
Ao chegar à agência, ela conta que acabou sendo pressionada a pagar R$ 5.000 por serviços que não sabia que seriam oferecidos. O valor seria para a empresa revisar seu currículo, buscar outras vagas para ela no mercado e lhe renderia, de bônus, um serviço de coaching para prepará-la para entrevistas.
"Eles falam que têm uma vaga totalmente compatível com o seu perfil, mas não têm. É só para lhe atrair", diz ela.
"No meio da conversa eles colocam um monte de defeitos no seu currículo, dizem que do jeito que está não conseguem mandar para a empresa, que ele vai ser rejeitado, e aí tentam vender o serviço".
O valor teria de ser pago à vista ou em até seis vezes.
"Se eu fosse contratada, eles pediriam ainda 25% dos meus três primeiros salários".
Pressão
"A pessoa simula uma entrevista, tenta tirar informações de você, como o cargo que você está querendo, quanto você quer ganhar, e aí pega o gancho para fazer a proposta", detalha Rebeca.
"Fazem muita pressão psicológica para você fechar na hora, dizem que a cada dia que você está fora do mercado vai perdendo valor, como um carro que saiu da concessionária e está valendo 20% menos."
Ela já havia sido alertada sobre esse tipo de investida por uma empresa de RH que lhe presta assessoria para recolocação profissional – um serviço incluído no pacote de desligamento que acertou no antigo emprego, por ocupar cargo de executiva.
"Minha consultora também me disse que nenhuma empresa séria, idônea, que está fazendo um processo seletivo, vai cobrar do candidato para fazer recrutamento. Quem paga é a empresa que está contratando, não é o candidato. Eu tive sorte de estar preparada."
Rebeca saiu do escritório sem contratar qualquer serviço. Disse que iria analisar, e respondeu por e-mail que não estava interessada. Só depois ela viu, na internet, postagens de outros candidatos com histórias parecidas.
Em uma das queixas publicadas recentemente no site Reclame Aqui, o internauta diz que recebeu uma ligação da mesma empresa em dezembro, a respeito de uma vaga para ganhar R$ 12 mil. "Mas era mentira, a intenção era apenas me vender pacotes de consultoria em coaching", afirma.
'Brincam com nossos sonhos'
Também neste ano, uma usuária do site se disse "indignada" com uma "falsa promessa de emprego" de outra agência. O foco eram vagas de camareira.
Ela encontrou o anúncio publicado no jornal "propondo início imediato e que davam o treinamento".
Ao ligar em busca de detalhes, a atendente teria lhe dito que a empresa presta serviços para várias redes de hoteis e que o treinamento custaria R$ 300.
"Mas ela garantiu que dentro de um mês eu estaria no mercado, pois os hoteis só contratavam através deles". O caso teria ocorrido em julho de 2018. E o pagamento integral era apontado como pré-requisito para ter o currículo divulgado.
"Eu peguei dinheiro emprestado para fazer".
Cinco meses depois, quando fez o post com a queixa, a candidata afirmava que continuava desempregada, que não havia recebido sequer uma ligação para entrevistas e que ninguém da "turma grande" que fez o treinamento com ela havia sido empregado.
Os candidatos teriam criado um grupo no WhatsApp para acompanhar o caso. "Estou divulgando, pois os anúncios continuam, dessa e de outras que prometem emprego e brincam com nossos sonhos. Por favor, não caiam nessa", diz ela.
"Eu ainda tenho o jornal com o anúncio".
Paulo Sardinha, da ABRH-Brasil, afirma que esse tipo de situação "sugere um golpe".
"A irregularidade consiste em simular a existência de vaga para cobrar por um serviço e induzir o interessado a erro."
'Cobrança não é permitida'
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Mas os procuradores do MPT sustentam - e alguns juízes, como ela, têm acatado - que "o procedimento fere princípios e normas constitucionais e internacionais", como a Convenção 181 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que "prevê a impossibilidade de as agências cobrarem dos trabalhadores encargos sobre os seus serviços".
Um projeto de lei de autoria do deputado Nilto Tatto (PT-SP), desarquivado em fevereiro para votações na Câmara dos Deputados, também quer proibir agências de cobrar taxas para cadastro de currículo no banco de dados ou inscrição em processo seletivo.
A agência ré no caso da Bahia é acusada de cobrar R$ 10 para cadastro de currículo e, ainda, a retenção de 30% do primeiro salário do candidato - prática que, no entendimento da juíza, "é vedada" e que "viola a proteção ao salário do trabalhador, o valor social do trabalho, a garantia de livre acesso do empregado ao mercado de trabalho face a livre iniciativa e até a dignidade da pessoa humana".
Decisões favoráveis ao trabalhador nesse tipo de ação podem ir desde obrigar a empresa a parar as cobranças, sob pena de multa, até punições como reparação de danos morais coletivos e prisão, se estiver na esfera criminal.
'Deve-se desconfiar'
Mas e se o telefone do trabalhador toca e alguém diz ter uma vaga com o perfil dele, o que ele faz?
"Deve desconfiar!", dizem os dirigentes da ABRH, entidade filiada à Federação Mundial de Associações de Gestão de Pessoas, que reúne mais de 660 mil profissionais de RH distribuídos em mais de 90 países.
"Isso sugere ser uma prática desonesta ou, pelo menos, pouco profissional. Quando sugerem que a vaga encaixa exatamente com o perfil do candidato, sem ele nem mesmo ter participado de um processo seletivo da empresa ou, por exemplo, baseado em seu perfil do LinkedIn, não faz muito sentido", avalia.
Uma abordagem correta, acrescenta, seria o profissional dizer qual empresa representa, a vaga ou oportunidade que está trabalhando e que gostaria de marcar uma entrevista para avaliar a aderência do candidato a esta vaga.
A empresa também deveria mencionar como chegou até ele, informando de quem recebeu a indicação ou currículo.
A recomendação, segundo a ABRH, é que a pessoa verifique em sites e órgãos de proteção ao consumidor se profissionais e empresas que dizem prestar tais serviços são alvos de reclamações, como as solucionaram e se estão envolvidos em procedimentos de investigação e denúncias.
Empresas abertas recentemente e com pouco ou nenhum histórico de prestação de serviços devem ser avaliadas cuidadosamente, diz ainda. "Cuidado também com consultorias que se dizem vinculadas a instituições, com a nítida intenção de tentar aparentar credibilidade".
"A regra geral", diz o presidente da Associação, "é que pedido de pagamento antecipado em troca de vagas de emprego existentes sugere golpe. E cobrança de parcela dos salários é desprovida de ética".
Os dirigentes da ABRH acrescentam que a prestação de serviços que visam orientar pessoas na melhoria de currículos, comunicação pessoal, preparação apropriada para entrevistas e outras do tipo não é proibida no Brasil e pode ser remunerada.
"O que não pode é associar essa prestação de serviço à oferta de vaga de emprego", dizem eles, confirmando que "via de regra, as consultorias são remuneradas pela empresa que possui as vagas, não cabendo nenhuma forma de cobrança aos candidatos".
'Promessas mirabolantes'
O diretor-executivo do Procon-SP, Fernando Capez, complementa que "promessas mirabolantes" - como salários muito acima da média - são sinais de alerta e que é preciso cuidado redobrado com empresas que garantem vaga".
"Com o desemprego alto, aumenta o desespero das pessoas e é mais fácil cair nesse tipo de golpe", diz ele.
Diante de eventuais reclamações dos candidatos, o Procon pede explicações à empresa e investiga o caso. "Se houver mentira envolvida, além de ser caso de Procon é caso de polícia porque se trata de estelionato", observa Capez.
O diretor ressalta que "o consumidor deve estar atento tanto ao anúncio de emprego quanto a um eventual contrato, se concordar em assiná-lo". É possível levá-lo ao Procon antes para checar se há irregularidades.
"As partes podem assinar contratos, desde que seja às claras. O que não pode haver é mentira".
Apesar de não ter feito uma denúncia formal, Rebeca tem alertado outros profissionais pelo WhatsApp.
"Quantas pessoas não caem nessa armadilha?", pergunta.
Por Renata Moura, BBC, BBC Brasil
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