Bebê doa sangue de cordão umbilical e salva vida de irmão de 6 anos com leucemia


Yuri usando a máscara do Capitão América enquanto 
se recuperava do transplante, em 
Curitiba — Foto: Adriana dos Santos Veloso/Arquivo pessoal

21 de DEZEMBRO 2019 - Ainda no quarto de hospital em Curitiba, a foto mostra o pequeno Yuri Veloso Lezcano, de 6 anos, com a máscara do herói preferido: o Capitão América.

Na história em quadrinhos (HQs), o soldado tinha caráter e coragem, mas não era forte o suficiente para enfrentar uma guerra. Isso mudou quando ele aceitou fazer parte de uma experiência científica, em que o transformam em um supersoldado.

Na imaginação de Lezcano não é nada diferente, revelou a mãe Adriana dos Santos Veloso.

Como o herói do desenho, o menino enfrentou muitas lutas - contra a leucemia, nas sessões de quimioterapia e de radioterapia -, até se tornar um "supersoldado".

Mas a família de Foz do Iguaçu, no oeste do Paraná, explicou que nesta jornada de "menino herói", a maior força da criança chegou com uma pequena heroína.

A irmã Ysadora Veloso Lezcano, de 1 anos e 8 meses, ajudou a salvar a vida do garoto quando doou o sangue do cordão umbilical para o transplante de medula óssea.

A prova disso ficou na lembrança da mãe, em uma conversa após o transplante:

"'Mãe, o sangue da irmã agora tá em mim?' Sim filho, respondi. Toda hora ele falava: 'a minha irmã trouxe vida para mim. Eu amo a minha irmã'."
Irmãos não se desgrudavam depois de se reencontrarem 
após o transplante, em Curitiba — Foto: Adriana dos Santos Veloso/Arquivo pessoal

Longe das HQs que o menino adora, a mãe encontrou na realidade os melhores presentes. Adriana Veloso pôde ver o nascimento da filha, depois de exames mostrarem que ela não poderia mais engravidar.

Ela sabia que se o filho tivesse um irmãozinho, a criança poderia ser compatível para o transplante de medula óssea. Então, não houve dúvida. Quando Ysadora nasceu, a mãe optou por congelar o cordão umbilical. Todo o procedimento foi feito pelo Sistema Único de Saúde (Sus).

Quando chegou o momento de fazer o transplante de medula, descobriram que os irmãos eram compatíveis para fazer o procedimento. A chance disso acontecer era de apenas 20%, conforme os médicos.

“Depois de três, meses eles me ligaram. O médico demorou uns 10 minutos para ser chamado, mas parecia uma hora. Quando eu ouvi a voz dele, vi que estava emocionado. Ele falou com muita alegria que ela nasceu 100% compatível. Comecei a chorar de alegria! Quando saí na rua parecia que eu flutuava", contou a mãe.

Foi um milagre, de acordo com a mãe. Pois antes de Ysadora nascer, o filho aguardava há dois anos por um doador compatível.

O menino teve alta em novembro, mas deve ficar até fevereiro de 2020 em Curitiba. Veloso acompanha o filho nesse período de recuperação pós-transplante.

De acordo com os médicos do menino, ele tem se recuperado bem.

"Venceremos mais uma batalha para, no final, comemorarmos a vitória no campo de guerra", destacou a mãe do 'menino herói'.

Segundo uma pesquisa do Instituto Nacional de Câncer (INCA), para o Paraná são estimados 800 novos casos de leucemia até o final de 2019.
Adriana não desistiu de tentar e conseguiu o transplante 
pelo SUS — Foto: Adriana dos Santos Veloso/Arquivo 
pessoal

A gravidez

Uma segunda gravidez parecia uma ilusão, uma fantasia. Um ultrassom identificou dois cistos, nos dois lados do ovário de Adriana Veloso. Isso não permitiria, conforme os médicos, que Veloso ovulasse e pudesse engravidar.

Sem expectativas da gravidez, a mãe não desconfiou de nada quando a menstruação atrasou.

Até que, depois de alguns dias, ela disse que decidiu fazer o exame de farmácia por "desencargo de consciência".

Para a surpresa da iguaçuense, o resultado deu positivo. Veloso contou que não acreditava e que a felicidade foi imensa.

Completando a alegria de mãe, no mesmo dia da descoberta da gravidez, o filho recebeu alta do hospital.

Sem precisar mais do transplante de medula, Veloso soube sobre o congelamento do cordão umbilical. Assim, se um dia, o irmão ainda precisasse fazer o transplante, teria a possibilidade de ser compatível com a irmã.

Segundo a mãe, em maio deste ano, a biópsia trouxe o diagnóstico que ninguém queria. A leucemia tinha voltado.

“Foi mais difícil que a primeira vez, eu fiquei desesperada. Quando a gente passa uma vez passar por um procedimento tão difícil, a gente sabe o quanto é doloroso. Veio um filme na minha cabeça."

Mesmo preocupada, Veloso lembrou do cordão umbilical e se agarrou à esperança de que a filha seria compatível.

O transplante foi realizado no dia 18 de outubro e, felizmente, foi um sucesso, relembrou a mãe.
Yuri com os pais após o transplante de medula óssea, 
em Curitiba — Foto: Adriana dos Santos 
Veloso/Arquivo pessoal

O transplante

Ao olhar para os filhos bem, a mãe disse que se sente aliviada após tantas dificuldades.

Quando soube da possibilidade de fazer o transplante de medula com o sangue do cordão umbilical, Veloso disse que foi atrás de informações para saber como funcionava o procedimento.

A primeira opção foi em uma clínica particular, segundo ela, no valor de R$ 19 mil.

"Mesmo parecendo a minha única chance, eu não tinha esse valor. Não tinha condições de pagar tudo isso."

Depois de dois meses procurando algum meio para realizar o procedimento, a mãe descobriu que poderia fazer o transplante pelo Sus.

Desde a descoberta, ela começou a fazer o pré-natal em um hospital de Curitiba. Assim a mãe viajou, durante toda a gestação, de micro-ônibus até a capital.

"Quando chegou o cordão da minha filha no quarto, veio na minha mente as pessoas dizendo que eu não ia conseguir e tudo que passei. Ali eu vi que tudo tinha valido a pena. Ela veio na minha vida, transformando de duas formas, ela trouxe mais uma vida para o irmão dela."
Yuri comemorando o que o transplante deu 
certo — Foto: Adriana dos Santos Veloso/Arquivo pessoal

Transplantes de medula óssea


Com sangue de cordão umbilical

Segundo o INCA, o sangue de cordão umbilical (SCUP) é rico em células-tronco hematopoéticas, que são aquelas capazes de produzir os elementos fundamentais do sangue, essenciais para o transplante de medula óssea.

O INCA informou que todo o procedimento para esse tipo de transplante é coberto pelo SUS. O Ministério da Saúde ainda conta com a Rede BrasilCord, com treze bancos públicos de sangue de cordão.

Conforme o Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea (REDOME), de janeiro até novembro deste ano, foram realizados nove transplantes com sangue de cordão umbilical no Brasil. Em todo o ano de 2018, foram quatro.

No caso do Redome, são considerados apenas os transplantes de doadores que não são da família do paciente.

Segundo o diretor do Centro de Transplante de Medula Óssea do INCA, Décio Lerner, a busca pelos doadores de medula melhorou muito nos últimos anos.

“O Brasil é um dos poucos países do mundo em que o SUS cobre uma busca de medula nos bancos do exterior", explicou.

Conforme o Redome, até o dia 30 de novembro de 2019, 850 pessoas aguardavam por um transplante de medula óssea no Brasil.

O banco conta com mais de 5 milhões de doadores cadastrados, mas nem todos são compatíveis com os pacientes.

Outras informações sobre o Redome, como fazer a doação de medula ou do cordão umbilical, podem ser encontradas pelo site do INCA.

Paraná

Segundo a Secretaria de Saúde do Paraná (Sesa), cinco hospitais do estado realizam o transplante com o sangue de cordão umbilical pelo SUS.

São os hospitais Pequeno Príncipe, de Clínicas, Nossa Senhora das Graças, Angelina Caron e Erasto Gaetner.

Em 2018 foi realizado, segundo a Sesa, apenas um transplante como esse no Paraná. Neste ano, de janeiro até novembro, foram três.

Por Mari Kateivas, G1 PR — Foz do Iguaçu

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