Alemão é ameaçado por proibir caça de animais em reserva no Ceará: 'Se der um vacilo, já era'


Placa com mensagem de 'proibido caçar' foi danificada 
com golpes de faca e tiro — Foto: Camila Lima/SVM

19 de JANEIRO 2020 - O alemão Hermann Redies, de 63 anos, está sofrendo ameaças de caçadores de animais que invadem a Reserva Particular do Patrimônio Nacional (RPPN) Mãe-da-Lua, na Serra das Vertentes, em Itapajé, a cerca de 120 km de distância de Fortaleza. "Se você der um vacilo, cabungo, já era, velhote", dizia uma mensagem que ele recebeu no celular. O caso é investigado pela Polícia Civil.

Desde 2006, quando comprou a propriedade de 764 hectares, o biólogo Hermann encontra indícios de caça de animais. Até o primeiro semestre de 2019, a média de crimes era de dois ou três por ano. A partir de outubro, passou para dois ou três casos por semana, conforme o ambientalista.

“Durante muito tempo, eu consegui controlar isso [caça]. Nós colocamos essa placa [proibido caçar], eles deram 35 facadas e um tiro. São ameaças indiretas. Alguém quer dizer ‘se você vem aqui, nós fazemos a mesma coisa com você’, mas isso não é escrito. Isso acontecia o tempo todo”, lembra Hermann.

Na manhã de 20 de dezembro, o alemão ouviu latidos de cachorros na reserva e foi averiguar o que acontecia. Ao se aproximar do local, um caçador correu, junto de três cachorros, e não foi mais visto.

O episódio foi relatado na rede social Facebook, onde o alemão pediu ajuda da comunidade para identificar os caçadores, que estavam capturando mais animais nos últimos dias, e disponibilizou o seu número do aplicativo WhatsApp. Além de denúncias, ele recebeu também ameaças.

Mensagens pelo WhatsApp


Apesar das ameaças, biólogo alemã diz que gosta de viver 
na área que ele transformou em reserva 
ambiental — Foto: Camila Lima/SVM

Um homem que se identificou como ‘Francisco Caçador’ enviou mensagens a Hermann: “Você continua causando problema com nós, caçadores. Hoje, você botou meus amigos para correr. Agora, se você realmente é homem de verdade, vai lá no mesmo canto, que eu vou estar lá.”

“Só para você ter ideia, antes de eu vir embora, vou deixar um monte de trabuco [dispositivo que atira automaticamente com balas ou chumbo, se um animal ou uma pessoa toca no fio que aciona o mecanismo] armado com a mira no rumo das trilhas. Se você der sequer um vacilo, ‘cabungo’, já era, velhote”, completa.

Além de texto, "Francisco Caçador" enviou fotos e vídeos com tom de ameaça, que mostravam tatus, porcos selvagens e calangos mortos, os cães utilizados para a caça, uma fogueira (onde a carne de um animal estaria sendo assada) e uma arma de pressão utilizada para abater os bichos na Reserva.

O alemão acredita que o grupo de ‘Francisco Caçador’ tenha cerca de seis homens, sendo a maioria morador da região. Mas outros grupos também praticariam caça, na Reserva. Hermann revela estar “preocupado”. “Eu levo isso a sério. Ele podem fazer uma emboscada”, afirma.

Criminosos investigados

Hermann Redies denunciou as ameaças à Polícia Civil do Ceará e ao Ministério Público do Ceará. Em nota, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social confirmou que “a Delegacia Municipal de Itapajé está com investigações em andamento, com o objetivo de apurar denúncias de ameaças contra um homem que representa uma associação de proteção ambiental com atuação em Itapajé".

"Equipes da Polícia Civil do Ceará realizam diligências na região, com o objetivo de identificar os responsáveis pelo ocorrido”, completou a pasta.

Questionado se também investigava a denúncia, o MPCE não repassou informações e alegou que não conseguiu contato com a promotoria de Itapajé porque a unidade já estava fechada e retornará apenas na próxima segunda-feira (20).

A reserva

Hermann conseguiu transformar a propriedade em Reserva Particular do Patrimônio Nacional (RPPN) em 2009, a partir de um decreto do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

A RPPN é uma área ambiental federal protegida pela iniciativa de proprietários particulares. Entre os objetivos da medida estão preservar a diversidade biológica, o desenvolvimento de pesquisas científicas e as atividades de ecoturismo e educação.

O alemão dono da Reserva Mãe-da-Lua faz a fiscalização do espaço a pé, com frequência, e conta com o apoio de órgãos como a Polícia Militar do Ceará (PMCE) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em visitas à propriedade.

“Eu escolhi esse terreno porque me parecia bem preservado, tinha macacos-pregos por exemplo. No mesmo tempo, isso é onde ainda tem lei e ordem”, conta.

A fauna da reserva Mãe-da-Lua conta com macaco-prego, veado, porcos selvagens, gato-maracajá (ameaçado de extinção), caititu, tatus e 170 espécies de aves – inclusive jacu-verdadeiro (também ameaçado de extinção) e mãe-da-lua (ave noturna que canta nas noites de luar e dá o nome à reserva). Já a flora contém 295 espécies.

Biólogo de formação, Hermann Redies, além de fiscalizar a terra, realiza pesquisas sobre a fauna e a flora da região, cataloga as espécies e escreve para o site da Reserva.

“Isso é a vida que eu gosto. Gosto da natureza. Eu moro aqui, não quero morar na cidade. Eu penso que minhas atividades são boas para fauna e flora que têm aqui, então eu consigo dar essa contribuição”, conclui.

Por Messias Borges, G1 CE

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