Fila de transplantes no Rio Grande do Norte tem 834 pessoas

Bruno Vital
Repórter
O potiguar Claudionor Ferreira, de 62 anos, recebeu um 
coração no dia 27 de abril. Taxa de recusa no Estado é de até 
85%, por conta de negativas de familiares

11 de ABRIL 2022 - O Rio Grande do Norte tem 834 pessoas na fila por um transplante de medula óssea, córnea, rim ou coração. Há duas semanas, o Estado deu um importante passo neste tipo de procedimento com a retomada do transplante cardíaco, cirurgia que não acontecia há 10 anos nas unidades potiguares. De outubro de 2021 para cá, mais 58 pessoas entraram na fila por um transplante no RN. O mais comum é o de córnea com 490 pacientes aguardando doador, seguido por rim (270 pessoas), medula óssea (70) e coração (4). Os são da Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sesap) e Ministério da Saúde.

Todos os pacientes são cadastrados no Sistema Nacional de Transplantes (SNT), que é um banco de doações gerido pelo MS. A Sesap reforça que a redução da fila depende exclusivamente das doações, que precisam ser autorizadas pelos familiares do doador. Anualmente, nos meses de setembro, os governos federal e estadual promovem campanha de sensibilização e conscientização sobre a importância o cadastro no banco nacional de doadores. O Estado tem uma taxa de recusa de 75% a 85% nos casos potenciais de doação, devido a negativa de familiares, conta o médico Luiz Roberto Fonseca.

“É preciso que haja esse envolvimento social. Sem o doador não há transplante. É importante também destacar que as famílias passam por momentos difíceis, mas através da informação a gente pode fazer esse trabalho de sensibilização. Doar é um ato de empatia, de fraternidade, de amor extremo. É nesse momento de maior dificuldade, que essa dor de perder um familiar pode propiciar a vida através de um transplante para essa pessoa que precisa de um rim, uma córnea, um fígado ou de um coração”, destaca o profissional, que é diretor do Hospital Rio Grande.

A covid-19 teve influência direta na queda das doações e, consequentemente, na realização dos procedimentos cirúrgicos. Em todo o país, os transplantes de córnea, por exemplo, caíram pela metade, passando de 14,9 mil em 2019 para 7,1 mil em 2020. No ano passado, o procedimento continuou 16% abaixo do patamar pré-pandemia com 12,7 mil brasileiros transplantados, segundo dados da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO).

O isolamento social para conter o contágio pelo vírus fez com que o atendimento aos familiares dos possíveis doadores fosse feito de forma remota, por telefone ou videochamada, o que acabou aumentando a recusa de doações. “As visitas aos pacientes ficaram limitadas a uma vez por dia, às vezes só através de telefone, e isso dificultou muito o acesso aos familiares, elevando o número de negativas. Outro aspecto foi a redução de voos que inviabilizou o recebimento ou envio de órgãos dentro do país”, informou a Sesap.

Além disso, o próprio vírus também jogou as doações para baixo, uma vez que o protocolo do Ministério da Saúde não permite doação de órgãos de vítimas da covid. Os transplantes no Rio Grande do Norte ainda não voltaram ao ritmo pré-pandemia por causa da drástica redução no número de doações, de acordo com a Sesap. Segundo o Centro de Transplantes (CET/RN), a média de tempo de espera na fila para a cirurgia de córnea é de três anos e meio; dois anos para a de rins; e para o transplante de medula ou coração, o procedimento deve ser feito assim que encontrado um doador compatível.

Os doadores podem ser de dois tipos: vivos ou falecidos. Uma pessoa viva pode doar um dos rins, parte do fígado, parte da medula ou parte dos pulmões, desde que seja maior de idade, juridicamente capaz e que não prejudique a própria saúde. Para o transplante entre vivos, o profissional médico deve avaliar histórico clínico do doador, além de verificar a compatibilidade sanguínea. Pela legislação, parentes até o quarto grau e cônjuges podem ser doadores. Não parentes, só com autorização judicial.

Já o segundo tipo diz respeito aos doadores falecidos, com diagnósticos de morte encefálica (vítimas de catástrofes cerebrais, como traumatismo craniano ou derrame) ou com morte causada por parada cardiorrespiratória. O doador falecido pode propiciar transplantes dos órgãos: rins, coração, pulmão, pâncreas, fígado e intestino; e tecidos: córneas, válvulas, ossos, músculos, tendões, pele, cartilagem, medula óssea, sangue do cordão umbilical, veias e artérias.

“Nos transplantes entre pessoas vivas, uma pessoa pode doar um dos rins para um de seus familiares, que podem ser esposa, filhos, mãe, irmãos, por exemplo, desde que seja compatível. É possível também o transplante de fígados intervivos, quando é retirado um pedaço do fígado e doa, geralmente, para uma criança, mas não é todo centro que faz isso. O mais comum entre vivos é o de rins. O de medula óssea também, já que o transplante se assemelha a uma transfusão sanguínea. Os transplantes de córnea e pâncreas só podem ser feitos com o doador falecido”, completa Rogéria Medeiros.

O Brasil possui o maior programa público de transplante de órgãos, tecidos e células do mundo, que é garantido a toda a população por meio do SUS, responsável pelo financiamento de cerca de 95% dos transplantes no país. Apesar do grande volume de cirurgias realizadas, a quantidade de pessoas em lista de espera para receber um órgão ainda é grande. No ano passado, cerca de 53,2 mil pessoas aguardavam por um transplante de órgão.

Vida nova
Após 10 anos, a rede de saúde do Rio Grande do Norte voltou a fazer um transplante de coração. O procedimento foi conduzido por uma equipe médica multidisciplinar do Hospital Rio Grande no último 27 de abril. O primeiro transplantado em uma década foi o potiguar Claudionor Ferreira da Silva, de 62 anos, que tinha uma condição de cardiopatia desde 2008. De lá para cá, a situação só se agravou e a qualidade de vida de Claudionor foi completamente comprometida. “Meu pai tinha uma doença chamada aterosclerose, que faz a obstrução das veias. Meu não conseguia tomar banho gelado, não podia caminhar, não podia levar um lixo para fora, tomava 20 comprimidos por dia”, lembra Kaliana Santos, filha de Claudionor.

O processo teve início em setembro com consultas e exames. Em 24 de novembro, Claudionor entrou na fila para receber o órgão e em pouco mais de quatro meses recebeu o novo coração de um doador de 32 anos. “Para que o meu pai pudesse ter novamente uma qualidade de vida precisaria de um transplante. As profissionais do hospital passaram muita segurança, muitas informações e deu tudo certo. A gente não esperava que fosse tão rápido. Até a cirurgia, no domingo, eu não sabia que o Estado havia ficado 10 anos sem fazer transplantes de coração. É uma alegria muito grande”, comenta Kaliana Santos. Claudionor respondeu bem ao procedimento e segue sob observação dos médicos no Hospital Rio Grande.

O órgão saiu de Mossoró, no Oeste do Estado, e foi levado para a capital, onde o transplante foi realizado. Entre a retirada do coração do doador e implantação no receptor se passaram duas horas e cinquenta e dois minutos. Cada tipo de transplante tem um período de isquemia, que é o intervalo de tempo entre a retirada do doador e a efetivação do transplante no receptor. O coração é o órgão com o menor tempo de isquemia (quatro horas), enquanto o transplante de rim pode ser feito em até 48 horas. Por esse motivo, as cirurgias envolvem uma complexa logística de transporte aéreo.

“Importante ressaltar que um transplante é um procedimento complexo que envolve a mobilização de toda uma equipe, tanto nacional e estadual. Nesse caso específico, envolveu aviões da governadoria e da FAB, ou seja, são múltiplas pessoas envolvidas num só esforço. Mas tudo isso só é possível por causa do doador. Não existe doação sem doador. Tudo começa com a boa vontade dos familiares, no momento do diagnóstico de morte encefálica”, destaca Rogéria Medeiros.

Quem também “renasceu”, como ela mesmo diz, foi Francisca Lúcia, de 54 anos. Ela foi uma das primeiras pacientes a receber um transplante de coração no Rio Grande do Norte, em 2005. “Agora em junho vai fazer 17 anos e estou muito bem, muito feliz, nasci de novo. A equipe que retornou agora a fazer transplante foi a que fez a minha cirurgia. Tudo mudou, eu tinha 38 anos na época, tinha uma cardiopatia onde eu ficava muito cansada e o médico decidiu pelo transplante. Só tenho a agradecer”, conta Francisca.

Fonte: Tribuna do Norte.

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