Adriano Abreu
Mesmo com queda, especialistas alertam para os riscos da gravidez na adolescência. Uma das complicações é a ocorrência
de partos prematuros
09 de MAIO 2022 - O número de casos de gravidez em crianças e adolescentes, na faixa etária de 10 a 19 anos, está continuamente em queda no Rio Grande do Norte. Em 2021, 5.749 casos foram registrados, uma redução de 41,92% quando comparado a uma década atrás (9.899 casos em 2011). Mesmo assim, os índices ainda preocupam profissionais da saúde pelos riscos que apresentam às jovens e seus bebês. Os dados são da Secretaria do Estado de Saúde Pública (Sesap). Alice, nome fictício, tem 17 anos e estava prestes a dar à luz ao seu filho na Maternidade Escola Januário Cicco quando conversou com reportagem. A jovem não planejou a gravidez e abandonou os estudos.
Com 37 semanas de gestação, Alice estava acompanhada pela mãe e contou que seu parto estava marcado para o dia seguinte. A gravidez da jovem não foi planejada e ela nem acreditava que podia ter filhos. “Foi uma surpresa, tenho um cisto no útero e o médico com quem me consultei na época disse que eu não podia mais engravidar. Moro junto com meu esposo e não usamos nada para evitar”.
Em outubro do ano passado, Alice começou a sentir enjoos e decidiu fazer um exame de farmácia. Sem acreditar no resultado positivo, confirmou o resultado com exame de sangue. “Assim que descobri, contei para a minha mãe e marido e eles ficaram felizes. Minha gravidez foi boa, graças a Deus, só a pressão que ficou muito alta. Senti muitas dores e não conhecia muito bem meu corpo mas estou muito ansiosa para ver o rosto do meu filho. O pai está no Rio Grande do Sul, arranjou um emprego por lá e vamos nos mudar”.
A adolescente é sexualmente ativa desde os 15 anos. Natalense, mudou com seu companheiro para Brejinho, a uma hora de distância da capital, com quem já estabeleceu uma união estável. Alice cursou até o nono ano do Ensino Fundamental II e não tem planos para retornar aos estudos. Antes mesmo de engravidar, já tinha abandonado a escola. “Eu estudava, mas depois que aconteceu tudo isso, encontrei a pessoa certa que disse que ia me ajudar em tudo e fui para o interior”, relata.
Sua mãe Maria, nome também fictício, teve Alice com 17 anos. Por isso, conta que deu todo apoio para sua filha. “Quando ela me contou, tive uma surpresa grande, mas agora a família está feliz com a chegada do meu neto. Todo mundo ajudou. Tivemos que lidar com pessoas julgando ela por ser nova e não estar estudando mas essas críticas a gente ignora”, comenta.
Em 1994, Vilma Barros engravidou aos 15 anos e teve uma experiência complicada, sendo até expulsa da casa dos seus pais. Durante a gestação, precisou abandonar os estudos para cuidar da filha enquanto o então namorado, hoje marido, trabalhava em uma padaria para sustentar a jovem família. 23 anos depois do nascimento de Érica, conseguiu completar o ensino médio. Vilma também já concluiu o ensino superior e atualmente faz pós-graduação.
“Eu namorava desde os 14 anos e engravidei de forma inesperada aos 15. Morava no Guarapes e não conhecia nenhuma forma de evitar, a verdade é essa. Eu não tinha conhecimento sobre isso. Meu pai me expulsou de casa e fui morar com meus sogros que também não aceitavam a gravidez. Foi muito difícil, eu sofri demais. Foram dois anos horríveis da minha vida, fui praticamente obrigada a amadurecer”, relata.
Com o nascimento da filha, os familiares passaram a aceitar a situação. Vilma dedicou três anos aos cuidados com a filha de forma exclusiva. “Depois, tive que optar por estudar ou trabalhar, não tive adolescência. Comecei a trabalhar em um hotel como ASG e fiquei lá por dez anos, pelos horários não tinha como conciliar com a escola mas eu tinha muita vontade de retomar os estudos”, diz.
Hoje com 42 anos, Vilma conta que é o orgulho do pai que, durante sua gravidez, se recusou a falar com ela. “Quando eu vou no interior, ele fala para todo mundo “minha filha é formada”. Passei esse tempo sem estudar para realmente não deixar faltar nada para meus filhos. Tenho três: Érica de 27 anos, Débora de 23 e Gabriel com 11 anos. Falo com eles sobre tudo, são meus amigos e já sou até avó. A mais velha teve uma menina aos 23 anos e eu acompanhei todo o processo”.
Especialistas alertam sobre riscos
Dos 4459 partos realizados em 2021 na Maternidade Escola Januário Cicco (MEJC), 548 foram de mães com idade menor ou igual a 19 anos. Esse número representa uma redução de 6,48% quando comparado ao ano anterior (586 casos). Em 2018 e 2019, foram 580 e 508 partos nessa faixa etária, respectivamente.
Para Luciana Araújo, médica ginecologista e obstetra, os principais riscos desses casos são partos prematuros, baixo peso ao nascer, restrição de crescimento intrauterino, anemia e deficiência de nutrientes, bem como risco de pré-eclampsia, hipertensão gestacional, infecção urinária e ruptura prematura da bolsa.
As jovens chegam na MEJC encaminhadas pelas Secretarias de Saúde através do sistema de regulação. “Fazemos a consulta pré-natal e multidisciplinar, que é acompanhada por uma enfermeira, assistente social e psicóloga. A maioria precisa desse suporte, até para que a família aceite a gestação de uma forma melhor. No pré-natal de alto risco, ficamos com casos de gestantes até 15 anos. Dos 15 aos 19, elas são atendidas pelas Unidades Básicas de Saúde”, explica Luciana, que também é plantonista e responsável pelo pré-natal de alto risco.
Além disso, durante as consultas é dado um enfoque em métodos contraceptivos no pós-parto, amamentação e retorno aos estudos. “Notamos que a maioria deixa de estudar para se dedicar só ao bebê porque às vezes não tem com quem deixar. Isso influencia bastante no desenvolvimento psicológico das mães, que ainda está em formação. Elas começam a vida adulta antes do tempo”.
Os fatores que contribuem para casos de gestantes adolescentes são a falta de acesso ou baixa adesão aos métodos contraceptivos, início da vida sexual precoce, uso de álcool, drogas e tabagismo, assim como a falta de informação. Luciana também comentou sobre as altas taxas de reincidência na Maternidade. Foi visto que dentre adolescentes que não tem o acompanhamento pós-parto, 20 a 30% acabam engravidando novamente dentro de um ano, 50% no segundo e 61% após cinco anos do primeiro parto.
“O contexto de vida de cada uma pode levar a essa reincidência. Observamos que condições socioeconômicas desfavoráveis, início precoce da atividade sexual, baixa adesão aos métodos contraceptivos, abandono aos estudos e a formação precoce de união estável são fatores que impactam nesses quadros. Oferecemos o DIU, comprimidos, camisinhas, adesivos, entre outros métodos contraceptivos. A maioria aceita mas temos as exceções”, pontua a médica.
De acordo com Mariana Carvalho, psicóloga hospitalar da MEJC, a gravidez na adolescência é considerada a questão de saúde pública, entendida como um fenômeno social complexo que envolve fatores sociais, culturais, históricos e psíquicos. “Muitas pessoas supõe que a gravidez na adolescência é algo não planejado ou desejado mas nem sempre é o caso. É um fenômeno complexo que precisa também de um olhar complexo e multidisciplinar”.
Segundo Mariana, em alguns casos advindos do interior do Estado, por exemplo, é possível perceber que a própria adolescência já é algo restrito. “Acredito que há dois fatores bem fortes que influenciam na ocorrência desses casos como a ausência de outros projetos de vida, sejam planos profissionais, educacionais ou financeiros. Muitas jovens gestantes não tem essa projeção e substituem pelo projeto da maternidade. Além disso, a repetição da história familiar, uma questão transgeracional onde as referências femininas tem histórico de gravidez na adolescência”.
Sesap e SMS buscam reduzir casos de gravidez
Segundo o Ministério da Saúde, por meio do sistema DATASUS, o índice de nascidos vivos de mães entre 10 a 19 anos no RN correspondia a 9.899 casos em 2011. Conforme acompanhamento da Coordenadoria de Vigilância em Saúde (CVS/Sesap), esse número baixou para 8.230 em 2017. No ano passado, foram 5.749 casos sendo 1.754 deles na Grande Natal. Seguem as regiões de saúde de São José de Mipibu com 885 nascidos, 711 em Mossoró, 478 em Pau dos Ferros e, 399, 366 e 315 em Caicó, Santa Cruz e Assu, nessa ordem.
Para contribuir com a redução desses índices, a Secretaria do Estado de Saúde Pública (Sesap) apoia e monitora a execução de ações promovidas pelos municípios, principalmente com o programa Saúde na Escola e na atenção primária à saúde em Unidades Básicas (UBS). Luciana Olinto, enfermeira e técnica do Programa de Atenção Integral à Saúde do Adolescente, comenta que pela dificuldade do adolescente buscar a atenção primária é preciso aproveitar o espaço escolar onde estão inseridos.
“Os dados mostram uma queda progressiva na ocorrência de gravidez na adolescência ao longo dos últimos anos no Rio Grande do Norte. É uma questão complexa que envolve projetos de vida. Precisamos de investimento através de políticas públicas para que esses jovens vislumbrem uma mudança de cenário”, explica.
O programa Saúde na Escola, parceria entre Ministério da Saúde e da Educação, tem como objetivo contribuir para a formação integral dos estudantes por meio de ações de promoção, prevenção e atenção à saúde. A adesão é facultativa para cada escola. Segundo a Secretaria de Estado da Educação (SEEC), 2.448 instituições de ensino, tanto estaduais quanto municipais, aderiram ao programa no RN.
Em Natal, a Secretaria Municipal de Educação (SME) informou que das 146 unidades apenas 27 contam com o programa, sendo 25 escolas de ensino fundamental e dois centros municipais de educação infantil (CMEI). Por trabalhar com o conceito de territorialidade, é necessário que a escola esteja próxima de uma UBS para adesão. Contatada, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) informa que seu Núcleo de Saúde do Adolescente prepara um programa junto ao Núcleo de Saúde na Escola que vai promover palestras de educação sexual e combate ao abuso e exploração sexual. Não há previsão oficial para início das atividades.
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