05 de MARÇO 2017 - Quando o prêmio da Mega-Sena acumula é certo que vamos encontrar filas se formando em casas lotéricas. Para quem gosta de jogar, parece não existir mal algum em usar o dinheiro trocado na compra na banca de revistas para levar uma raspadinha. No entanto, você sabia que, nos Estados Unidos, uma a cada duas raspadinhas são feitas para que o consumidor sinta que quase ganhou um prêmio?
O dado é apresentado no livro "O Poder do Hábito", de Charles Duhigg. Há um motivo para que as raspadinhas sejam feitas dessa forma: a diferença como jogadores sociais e jogadores compulsivos enxergam determinada situação. O livro descreve ainda um estudo sobre jogadores feito pelo neurocientista Reza Habib.
Vinte e dois participantes foram colocados em um exame de ressonância magnética enquanto observavam a tela de um caça-níquel. Sem que eles soubessem, a máquina só apresentava três combinações possíveis: uma vitoriosa, uma derrota e uma "quase vitória" - em que uma das figuras quase formava um padrão único, mas no último segundo mudava para outra figura.
A questão é que os jogadores compulsivos enxergavam essa quase vitória como um estímulo para continuar jogando, na ânsia de realmente conseguir uma vitória. Os jogadores sociais, em contrapartida, continuavam interpretando essa quase vitória como uma derrota e desistiam de continuar jogando com mais facilidade do que os outros.
De certo modo, o estudo mostra que nossa capacidade de livre-arbítrio fica parcialmente comprometida quando há um vício fortemente enraizado. A questão é que a indústria de jogos também sabe disso - e tira proveito da situação.
Um exemplo triste e real do que é apontado no estudo também é descrito no livro, com a trajetória da dona de casa Anne Bachmann. Ela desenvolveu um vício profundo em jogos ao encontrar um cassino como válvula de escape para problemas familiares. A compulsão por jogos trouxe dívidas imensas, mas as perdas não eram suficientes para lhe fazer parar. Cientes da assiduidade dela em apostas, os cassinos começaram a "mimá-la" como forma de mantê-la por perto. Davam passagens aéreas com direito a acompanhantes, estadias em hotéis caros e tudo mais que uma vida luxuosa pudesse oferecer.
Por mais que racionalmente ela tivesse intenção de parar, sempre acabava cedendo aos anseios, jogou até perder uma herança de US$ 1 milhão e ainda acabou endividada.
Por mais que alguns hábitos sejam difíceis de serem abandonados, a primeira decisão é entender que existe um problema e que acabar com ele vai demandar um enorme esforço. E parte dele é entender que o mercado não quer que você abandone seus hábitos nocivos - se eles estiverem te fazendo consumir mais.
Se você tem algum tipo de vício ou compulsão, preste atenção não só nas mudanças que você precisa fazer em sua rotina para se ver livre deles, mas também nos estímulos que estão lhe dando. Se você é uma pessoa consumista e quer parar com as compras por impulsão, não vai adiantar somente deixar de passar diante da vitrine durante o período de liquidação. Pare de acompanhar a loja favorita nas redes sociais, cancele a newsletter que recebe deles, retire seu endereço do cadastro das lojas.
Esse é só um exemplo simples, mas basta observar com calma o seu entorno para perceber que os estímulos para que você continue cometendo os mesmos erros estarão por perto. De início, pode não ser fácil mudar hábitos enraizados. Mas a recompensa depois de alcançar o resultado será muito mais satisfatória do que o pequeno "prêmio neuroquímico" que você recebe a cada vez que alimenta um vício.