'Sou uma mulher de sorte', diz mãe que tem duas filhas homossexuais.

Beth Cerquinho com a nora e a filha (Foto: Geraldo Jr. / G1)
A nora Taís, a mãe Beth Cerquinho e a filha 'Tata'.

08 de MAIO de 2013 - Aos 50 anos, a psicanalista Beth Cerquinho tem orgulho de dizer que tem quatro filhas homossexuais. Duas são filhas biológicas, Jordana Cerquinho e Marta Cerquinho, chamada carinhosamente pelos amigos de "Tata". As outras duas são "filhas de coração", as noras Adriana Cunha e Taís Ortolan.
Beth percebeu a orientação sexual das filhas biológicas quando elas ainda eram pequenas. Com Tata a percepção foi mais intensa. Aos 6 anos, a menina já demonstrava sua preferência na hora de escolher as roupas. "Ela não gostava de usar vestidos, era uma briga. Às vezes, quando eu pedia para ela colocar, ela ficava emburrada e sempre tínhamos que negociar outras opções", conta.
 Para Beth, o importante é ver as filhas felizes (Foto: Geraldo Jr. / G1)
Para Beth, o importante é ver as filhas felizes.

Nessa época, Tata deu um susto na tia quando disse que queria beijar meninas. Segundo Beth, na época, a tia a chamou para conversar e contou a história. "Ela não me pegou de surpresa, eu já sabia."
Mesmo assim, a mãe conta que não houve um momento específico em que as filhas falaram "sou gay". "Simplesmente foi acontecendo com naturalidade. Eu e meu marido nunca questionamos a orientação sexual delas", comenta.
Beth revela como fez para receber com tanta tranquilidade a orientação sexual das filhas. "Eu e meu marido nunca construímos expectactativas baseadas nos padrões que a sociedade tem. Nunca criei expetactiva de ver minhas filhas casando de branco na igreja com um médico, ou engenheiro, nunca esperei ver um monte de netos correndo pela casa. O único compromisso que elas têm comigo é o de serem felizes, independentemente da sexualidade. Já perdi o sono por vê-las tristes, mas nunca por elas serem gays."
E nessa família onde as diferenças são encaradas com naturalidade, a chegada das namoradas, que ela chama de filhas, também foi encarada como um presente. "Recebi as meninas de portas abertas”, conta Beth.
A relação mais próxima que ela e o marido têm é com a filha Tata e a namorada Thaís, que moram com eles há três anos em Sorocaba (SP). Jordana e Adriana vivem há 12 anos em Santa Catarina.
Tata se diz uma filha de sorte por ter Beth como mãe. “Vejo amigos sofrendo porque os pais não aceitam a homossexualidade deles e fico abismada. Em casa nunca tivemos esse problema, sempre recebemos apoio, aceitação”, conta.
Já a nora Taís tem a sogra como sua segunda mãe. A mãe biológica não aceitou tão facilmente a orientação sexual dela, mas aos poucos foi se acostumando. “Eu não abro mão de ter a Tata do meu lado, e se a minha família gosta da minha presença nas reuniões têm que saber que eu trago bagagem”, brinca lembrando que a bagagem é a namorada.

Preconceito

Beth afirma que tira de letra o fato de ter uma família não convencional. “Sempre tivemos que lidar com o preconceito. Meu pai é árabe e negro, teve uma filha paralítica [Beth não consegue se locomover sem a ajuda de muletas] e duas netas homossexuais. Puxamos todo o preconceito para a família”, desabafa.

Mas, quando o assunto é defender as crias, a “mãe coruja” vira uma leoa. “Os rótulos me incomodam. Acho detestável as pessoas se referirem a elas como 'sapatão', isso é uma coisa que machuca, ofende. A pessoa tem o direito de não concordar e não aceitar, mas não tem o direito de ofender ou tratar mal só porque elas são homossexuais. O importante é que elas são felizes. Por isso, quando vejo que elas são maltratadas, eu viro bicho. Se tiver que fazer barraco, eu faço mesmo”, esbraveja Beth.
O amor dessa mãe é tão grande que ela até abre mão de passar o Dia das Mães com a filha. "Essas datas são comerciais, qualquer dia é dia. Eu não faço questão que elas fiquem aqui, até porque a Taís precisa passar com a mãe dela, já que elas não se veem tanto. Eu não vou ficar brava, principalmente se elas quiserem me presentear com um ingresso para algum musical em São Paulo", brinca.
Rótulos e datas à parte, o que essa turma quer mesmo é ser vista como uma família. Uma família onde sempre há espaço para mais gente. "Se um dia eu tiver a possibilidade de adotar uma criança, gostaria que ela fosse negra", completa Tata, confirmando a vocação de ser livre dos preconceitos.

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