23 de JULHO de 2014 - Em abril passado, uma foto de Ariano Suassuna deitado no chão da sala de embarque do aeroporto internacional de Brasília provocou alguma polêmica nas redes sociais. Nada demais: o escritor tinha participado da Bienal do Livro e da Leitura, na capital, e simplesmente resolveu descansar ali mesmo, no chão, enquanto aguardava seu vôo para Recife. E, segundo um assessor, ficou surpreso com a repercussão do gesto, já que ele “fazia isso sempre”. O episódio, banal, revela duas características da personalidade de Suassuna: a simplicidade e a total indiferença diante das convenções e opiniões alheias.
Nascido em João Pessoa em 1927, Ariano Suassuna passou a infância no sertão, na Fazenda Acauã, em Aparecida, na Paraíba. Após a Revolução de 30, a família se mudou para Taperoá, onde o menino Ariano fez seus primeiros estudos e ficou marcado pelas manifestações populares, como o teatro de mamulengos e os desafios de viola. Foi para Recife em 1942, onde estudou Direito e fundou, ao lado de Hermilo Borba Filho, o Teatro do Estudante de Pernambuco. Escreveu sua primeira peça em 1947, “Uma Mulher Vestida de Sol” e, nos anos seguintes, “Cantam as Harpas de Sião”, “Os homens de barro”, “Torturas de um Coração”, “O Castigo da Soberba” e “O rico avarento”.
Em 1956, Suassuna abandonou definitivamente a advocacia para lecionar na Universidade Federal de Pernambuco e escrever. No final da década, diversas peças suas foram montadas no Rio e em São Paulo, como “O Casamento Suspeitoso” (pela Cia. Sérgio Cardoso), “O Santo e a Porca”, “O Homem da Vaca e o Poder da Fortuna”, “A Farsa da Boa Preguiça” e “A Caseira e a Catarina”. Na universidade, lançou em 1970 o fundamental “Movimento Armorial”, dedicado à pesquisa das manifestações populares tradicionais e à criação erudita-popular em diferentes formas de expressão, como a música, o teatro, a dança e as artes plásticas.
Suassuna foi um aguerrido defensor da cultura nordestina e autor de uma obra ampla e diversificada, mas bastariam dois livros para torná-lo imortal: a peça teatral “Auto da Compadecida” e o romance “A Pedra do Reino”. Escrita em 1955, “Auto da Compadecida” combina elementos da literatura de cordel e do barroco católico para mostrar o modo peculiar de absorção da tradição religiosa pela cultura popular do Nordeste. Classificada pelo crítico Sábato Magaldi como “o texto mais popular do moderno teatro brasileiro”, a peça tornou seu autor nacionalmente conhecido e ainda hoje é frequentemente encenada, tendo sido adaptada para a TV numa minissérie de 1999.
Já no romance “A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta”, escrito ao longo de dez anos e lançado em 1971, Suassuna se inspira em um episódio ocorrido em 1836 no sertão pernambucano, quando uma seita anunciou o retorno do mítico rei português Dom Sebastião, desaparecido na Batalha de Alcácer-Quibir, na África (o sentimento do sebastianismo persiste ainda hoje na região, onde uma Cavalgada é encenada em São José do Belmonte, local onde inocentes foram sacrificados em nome do retorno do rei). Numa entrevista, o escritor revelou ter sido movido pela ausência do pai, assassinado por motivos políticos quando ele tinha 3 anos, e com cujo retorno impossível ele também sonhava. Mas o que importa no livro é a crítica feroz à ideia, que vigorava então, de que o urbano representa o bem e o progresso, enquanto o rural representa o atraso e o mal.
“Romance-memorial-poema-folhetim”, como definiu Carlos Drummond de Andrade, “A Pedra do Reino” celebra a cultura caboclo-sertaneja nordestina, marcada pela herança do mundo ibérico. O narrador, Quaderna, preso por subversão, faz sua própria defesa diante do corregedor, evocando a história de sua família e seu envolvimento com as lutas e desavenças políticas, literárias e filosóficas da época.
Eleito em 1990 para a Academia Brasileira de Letras, Suassuna foi ainda secretário de Cultura do Estado de Pernambuco, no Governo Miguel Arraes (1994-1998) e ocupava o cargo de secretário de assessoria do governador de Pernambuco, Eduardo Campos. Em seu discurso de posse na ABL afirmou: “Passei a usar somente roupas feitas por uma costureira popular e que correspondessem a uma espécie de média do uniforme de trabalho do brasileiro comum. Não digo que fiz um voto, que é coisa mais séria (...); digamos que passei a manter um propósito. Não pretendo passar pelo que não sou. (...) Sei, perfeitamente, que não é o fato de me vestir de certa maneira, e não de outra, que vai fazer de mim um camponês pobre. Mas acredito na importância das roupagens para a liturgia, como creio no sentido dos rituais. E queria que minha maneira de vestir indicasse que, como escritor pertencente a um país pobre e a uma sociedade injusta, estou convocado, ‘a serviço’. Pode até ser que o país objete que não me convocou. Não importa: a roupa e as alpercatas que uso em meu dia-a-dia são apenas uma indicação do meu desejo de identificar meu trabalho de escritor com aquilo que Machado de Assis chamava o Brasil real e que, para mim, é aquele que habita as favelas urbanas e os arraiais do campo.”
* Fotos: Reprodução/Facebook; Rodrigo Lobo/Estadão Conteúdo
Retirado do G1.
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