13 de DEZEMBRO de 2016 - Mudar de vida, ter um futuro melhor, viver outra realidade. Esses são alguns sonhos de jovens que estão internados na Fundação Casa de São Carlos (SP) e que vão prestar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Seis internos realizam a prova nesta terça (13) e quarta-feira (14), em um programa específico para pessoas que estão privadas de liberdade.Em Rio Claro, 19 jovens dos 75 internos estão inscritos para o Enem PPL. Já em Araraquara, onde há 102 internos, três farão a prova. Ao menos 1.436 adolescentes que cumprem medida socioeducativa de internação ou estão no programa de internação provisória em 118 centros da Fundação no Estado de São Paulo foram inscritos para prestar exame. O índice de candidatos inscritos este ano é 24,4% maior do que em 2015, quando 1.154 foram habilitados para prestar a prova.
Internos realizam a prova do Enem nesta
terça e
quarta-feira na unidade
(Foto: Fabio Rodrigues/G1)
Incentivo e recomeço
O G1 visitou a unidade de São Carlos, onde atualmente há 64 internos, e conversou com seis candidatos que prestam o Enem.
Detido por roubo, Pedro* tem 18 anos e está na Fundação há quatro meses. Ele contou que aproveita o tempo para estudar e vai tentar uma vaga no curso de engenharia mecânica. "Almejo um futuro melhor, quero me formar, ter uma família e vejo essa oportunidade como uma mudança de vida", disse.
Carlos, que está na unidade há três meses e cumpre medida socioeducativa por homicídio, sonha com o mesmo curso. Quando estava em liberdade, estudou até o segundo colegial. Agora vai prestar o Enem pela primeira vez e disse estar ansioso. "Não sei como vai ser, mas quero passar. Contei para a minha mãe e ela ficou feliz, falou para eu pegar firme", relatou o jovem de 18 anos.
Não gostava de estudar
Há um mês na Fundação, Paulo está detido desta vez por tentativa de latrocínio. Na primeira vez que passou pela unidade foi por tentativa de homicídio. Disposto a mudar de vida, passou a estudar e também sonha com uma vaga no curso de mecânica.
Jovens da Fundação Casa falam sobre
expectativa
de realizar o Enem
(Foto: Fabio Rodrigues/G1)
"Quero sair daqui, melhorar, dar uma casa para a minha mãe. Acho que ela vai ficar orgulhosa, porque sempre me incentivou a estudar", contou o rapaz de 18 anos. Apesar disso, ele afirmou que não gostava. "Tinha até esquecido, mas hoje em dia sei que é bom. Tento prestar o máximo de atenção na aula e tirar dúvidas", disse.
Já o colega Marcos vai realizar o exame como treineiro. Pela segunda vez na Fundação, o jovem de 18 anos cumpre pena por tentativa de homicídio. O primeiro delito foi assalto. "Decidi prestar para buscar um futuro porque percebi que essa vida não compensa, não se consegue nada ficando preso", contou.
Ele, que frequentou a escola até o segundo colegial, disse que faltava muito e que não gostava de estudar. "Aqui vi que escola é boa. Um dia quero fazer mecânica industrial, escolhi o curso por causa do meu tio, que é bem sucedido e um exemplo para mim. Ele ficou feliz e minha mãe também", relatou o jovem, que disse ter dificuldades em português e redação.
Internos estudam pela manhã e à tarde têm
cursos
profissionalizantes
(Foto: Fabio Rodrigues/G1)
Bom aluno
Bruno, que está detido há três meses por tráfico de drogas, disse que se considera um bom aluno. Quando estava em liberdade, gostava de ir à escola, onde estudou até o segundo ano colegial. O jovem de 17 anos disse que gosta de português e matemática e quando tem dúvidas anota tudo no caderno e pergunta aos professores.
Ele vê nos estudos a oportunidade para cursar mecânica, a profissão do cunhado, uma referência para ele. "A minha mãe falou que é uma boa oportunidade que estou tendo, então é para eu aproveitar. Acho que o meu cunhado também vai ficar orgulhoso ao saber que me inspirei nele", relatou.
Fernando tem 19 anos e mais tempo na Fundação. Cumpre pena há 1 ano e 4 meses por homicídio. Disse que foi na unidade que encontrou a oportunidade para estudar e acabou se interessando por gestão empresarial, curso que quer seguir caso consiga uma boa classificação no Enem.
O rapaz disse que gosta de ler e escrever, portanto a redação não será um problema. Com a ajuda dos professores, que levam provas de anos anteriores, Fernando disse que tira suas dúvidas e estuda em grupo com os colegas. "Minha mãe, que voltou a estudar, ficou emocionada com a minha decisão. Tenho uma filha de 6 anos e quero ser motivo de orgulho para ela. Quero mudar de vida", afirmou o rapaz que também gosta de compor músicas.
Coordenadora pedagógica diz que educação é
a base do trabalho
(Foto: Fabio Rodrigues/G1)
Foco na educação
A coordenadora pedagógica Márcia Aparecida Juliak, de 48 anos, está há 11 deles na Fundação Casa e disse que o foco na educação tem sido o diferencial na vida dos internos.
"Para nós, professores e funcionários, é de suma importância. O jovem que chega aqui muitas vezes está há dois, três anos afastado da escola. Então ele passa a se interessar mais. Já tivemos casos de alguns que prestaram o Enem e tiveram uma classificação melhor que muitos alunos que estavam em liberdade", disse.
A unidade conta com oito professores contratados pela Secretaria de Educação que dão aulas nas escolas do município e também na Fundação. Os internos estudam das 7h às 12h20 e à tarde têm curso de qualificação profissional, além de arte e cultura, artes plásticas e educação física.
Professora de matemática e física está na
unidade
há quase quatro anos
(Foto: Fabio Rodrigues/G1)
Surpresa e aprendizado
Professora de matemática e física, Jéssica Naiara Coernélio Dorinho, de 28 anos, trabalha há quase 4 anos na unidade e disse que desde que chegou ao local se surpreendeu com a capacidade de muitos jovens.
"No começo foi assustador, mas agora eu gosto. A gente tem um preconceito e quando entra aqui vê que não tem nada a ver com o que a gente pensa do lugar. Chegar aqui e encontrar meninos com possibilidades maiores de aprendizado muda todo o pensamento", afirmou.
Com menos alunos do que em uma sala de aula convencional, a professora disse que trabalha melhor. "A gente consegue acompanhar um a um, é quase que uma aula particular. Então, se um menino tem duvidas, eu consigo sentar do lado e tirá-las. A gente consegue fazer um trabalho mais diferenciado e, em época de Enem, conseguimos conciliar matéria da proposta curricular e matéria que vai cair no exame. Eu fico bem orgulhosa de saber que esses meninos têm interesse, porque eu estudei em escola pública, fiz universidade pública e os incentivo muito. Para mim, é um orgulho", disse, chorando.
Seis internos da Fundação Casa de São
Carlos
vão prestar o Enem
(Foto: Fabio Rodrigues/G1)
Reflexão e amadurecimento
Diretor da Fundação há 3 anos, Marcelo Viana Barense disse que o principal objetivo da unidade é preparar o jovem para um retorno bem sucedido à sociedade.
"Toda nossa diretriz é embasada na parte pedagógica e ressocialização dos meninos, aliando o amadurecimento deles em relação aos atos infracionais que cometeram. Para inseri-los da melhor forma possível, temos que aliar o estudo, porque existe uma evasão escolar muito grande", disse.
Segundo ele, professores e funcionários incentivam os jovens a aproveitar o tempo deles na unidade. "O que eu quero para um parente meu também quero para esses meninos aqui, até porque o mundo aí fora está difícil, competitivo. Então eles têm que aproveitar esse tempo na Fundação para refletir, amadurecer e se tornar melhores", completou.
*Os nomes dos internos foram modificados para preservar a identidade dos entrevistados.