Cristina Bordé e Vicente Benavides, pouco antes do
momento em que ele deixou a cadeia — Foto: Arquivo
pessoal (via BBC)
23 de ABRIL 2019 - Quando viu os guardas da emblemática Penitenciária Estadual de San Quentin (Califórnia) liberando seu cliente, a advogada Cristina Bordé começou a chorar.
Naquele dia, 19 de abril de 2018, ela havia conseguido a libertação de Vicente Benavides, um agricultor mexicano que, em 1993, foi condenado à pena de morte, acusado de estuprar e matar uma menina de 21 meses.
Foi o dia em que Bordé, que tem cidadania colombiana e americana, conseguiu o que considera a maior vitória de sua vida: salvar uma vida.
"Foi um momento extraordinário, que ocorre muito poucas vezes. Quase não consigo achar palavras", diz a advogada, que conversou com a BBC Mundo sobre como conseguiu a libertação de um homem que passou 26 anos preso injustamente.
Bogotá, Harvard, San Quentin
Bordé estudou direito nos Estados Unidos, mas fez os estudos escolares em Bogotá, capital da Colômbia.
"Desde pequena queria ser advogada e ajudar, mas não imaginei que terminaria cuidando de um caso de pena de morte", diz ela.
Recém-formada na Universidade de Harvard, a advogada se mudou para a Califórnia e começou a trabalhar numa entidade estatal que atendia pessoas condenadas à morte. Seu primeiro caso foi o do agricultor mexicano Vicente Benavides.
Vicente Benavides passou um ano e meio preso antes de ser condenado, esperou mais cinco anos até que a justiça lhe atribuísse um advogado com quem pudesse apelar a sentença e levou 26 anos até recuperar sua liberdade, aos 68 anos.
"Isso é típico para pessoas que não têm dinheiro. Os tribunais têm muitos casos que carecem de provas", diz Bordé.
A colombiana sabia das dificuldades em defender Benavides e conseguir a absolvição de um condenado à pena de morte.
Entre 1979 e 2019, apenas quatro condenados à pena de morte foram absolvidos e liberados na Califórnia. Antes do agricultor, o último caso havia sido no ano 2000.
Desde 1967 até hoje houve 122 absolvições de pessoas condenadas à morte nos Estados Unidos.
O mais recente foi Benavides, que agora vive em algum povoado do México acompanhado de sua família e amigos.
Em vez de dar entrevistas, ele prefere contar sua história e "recuperar o tempo perdido".
ESTADOS UNIDOS
Por BBC
23 de ABRIL 2019 - Quando viu os guardas da emblemática Penitenciária Estadual de San Quentin (Califórnia) liberando seu cliente, a advogada Cristina Bordé começou a chorar.
Naquele dia, 19 de abril de 2018, ela havia conseguido a libertação de Vicente Benavides, um agricultor mexicano que, em 1993, foi condenado à pena de morte, acusado de estuprar e matar uma menina de 21 meses.
Foi o dia em que Bordé, que tem cidadania colombiana e americana, conseguiu o que considera a maior vitória de sua vida: salvar uma vida.
"Foi um momento extraordinário, que ocorre muito poucas vezes. Quase não consigo achar palavras", diz a advogada, que conversou com a BBC Mundo sobre como conseguiu a libertação de um homem que passou 26 anos preso injustamente.
Bogotá, Harvard, San Quentin
Bordé estudou direito nos Estados Unidos, mas fez os estudos escolares em Bogotá, capital da Colômbia.
"Desde pequena queria ser advogada e ajudar, mas não imaginei que terminaria cuidando de um caso de pena de morte", diz ela.
Recém-formada na Universidade de Harvard, a advogada se mudou para a Califórnia e começou a trabalhar numa entidade estatal que atendia pessoas condenadas à morte. Seu primeiro caso foi o do agricultor mexicano Vicente Benavides.
Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, onde
Cristina Bordé estudou direito. — Foto: Harvard University/Divulgação
"Comecei em 1999 com uma equipe e começamos a revisar as provas", diz ela.
A sentença havia sido passada seis anos antes, mas, por causa de trâmites burocráticos, essa era a primeira vez que Benavides teria acesso a um advogado para apelar contra sua condenação.
O mexicano insistiu desde o início que era inocente e foi a primeira coisa que disse a Cristina quando a conheceu.
"Não fiz nada com a menina", disse o mexicano à advogada, e ela decidiu acreditar.
O caso Benavides
O episódio pelo que Vicente Benavides foi condenado ocorreu em novembro de 1991, quando ele tinha 42 anos, na cidade de Delano, na Califórnia.
O fazendeiro estava cuidando da filha de sua namorada à época, que havia ido trabalhar.
Depois de descobrir que a menor tinha conseguido sair do apartamento, encontrou-a muito mal, do lado de fora do prédio onde viviam.
Depois de passar por vários hospitais durante oito dias, seu quadro clínico foi piorando e a pequena morreu de um ataque cardíaco.
A essa altura, o mexicano já estava preso.
Os informes médicos diziam que haviam sido detectadas feridas na região genital e golpes na cabeça e no abdômen, elementos usados para acusar Benavides de estupro e assassinato.
19 anos de litígio
O julgamento do mexicano começou dia 15 de março de 1993 e terminou em 20 de abril do mesmo ano com a condenação à pena capital em San Quentin, a única prisão da Califórnia que executa pena de morte.
A justiça levou menos de um mês e meio para condená-lo.
"Ele não tinha histórico de violência nem abuso sexual", enfatizou a advogada. "Quando começamos a avaliar as evidências médicas, ficou muito claro que havia sido cometida uma grande injustiça."
O primeiro passo para iniciar a defesa de Benavides foi pedir um habeas corpus. Para isso fizeram uma minuciosa revisão das provas que levaram à condenação.
Descobriram que, no primeiro boletim médico, não foi detectada nenhuma ferida na área genital, como se elas tivessem surgido depois.
"No primeiro hospital tentaram botar um cateter para tirar sua temperatura. Os especialistas com quem falamos disseram que as feridas encontradas na genital foram resultado disso", diz Bordé.
A partir daí, pediram que especialistas analisassem as provas e os testemunhos dados ao júri. "Todos os que consultávamos diziam que a causa da morte indicada pelo patologista que participou do julgamento era anatomicamente impossível. Ele disse coisas completamente falsas", diz ela.
O patologista declarou que a bebê havia morrido em consequência dos ferimentos anais, e outros médicos testemunharam que os ferimentos teriam sido causados por violência sexual.
Maurice Possley, pesquisador de uma organização americana que acompanhou o caso, diz que a equipe da advogada se baseou no argumento de que a condenação havia sido feita com base em testemunhos médicos falsos, que a polícia e a promotoria haviam omitido evidências e que os promotores haviam apresentado argumentos incorretos.
Quase todos os médicos que testemunharam no julgamento voltaram atrás e se retrataram, dizendo não terem visto os boletins médicos completos que indicavam que não havia evidências de abuso sexual quando a bebê foi examinada no primeiro hospital.
Eles disseram reconhecer que seus ferimentos genitais podem ter sido causados durante o tratamento médico.
Bordé e sua equipe apresentaram em 2007 um documento de 395 páginas para tentar provar a inocência do cliente.
E foi esse documento que acabou sendo chave para que um juiz da Suprema Corte da Califórnia decidisse absolver o fazendeiro mexicano em 2018 e determinar sua libertação.
26 anos de prisão sem culpa
"Comecei em 1999 com uma equipe e começamos a revisar as provas", diz ela.
A sentença havia sido passada seis anos antes, mas, por causa de trâmites burocráticos, essa era a primeira vez que Benavides teria acesso a um advogado para apelar contra sua condenação.
O mexicano insistiu desde o início que era inocente e foi a primeira coisa que disse a Cristina quando a conheceu.
"Não fiz nada com a menina", disse o mexicano à advogada, e ela decidiu acreditar.
O caso Benavides
O episódio pelo que Vicente Benavides foi condenado ocorreu em novembro de 1991, quando ele tinha 42 anos, na cidade de Delano, na Califórnia.
O fazendeiro estava cuidando da filha de sua namorada à época, que havia ido trabalhar.
Depois de descobrir que a menor tinha conseguido sair do apartamento, encontrou-a muito mal, do lado de fora do prédio onde viviam.
Depois de passar por vários hospitais durante oito dias, seu quadro clínico foi piorando e a pequena morreu de um ataque cardíaco.
A essa altura, o mexicano já estava preso.
Os informes médicos diziam que haviam sido detectadas feridas na região genital e golpes na cabeça e no abdômen, elementos usados para acusar Benavides de estupro e assassinato.
19 anos de litígio
O julgamento do mexicano começou dia 15 de março de 1993 e terminou em 20 de abril do mesmo ano com a condenação à pena capital em San Quentin, a única prisão da Califórnia que executa pena de morte.
A justiça levou menos de um mês e meio para condená-lo.
"Ele não tinha histórico de violência nem abuso sexual", enfatizou a advogada. "Quando começamos a avaliar as evidências médicas, ficou muito claro que havia sido cometida uma grande injustiça."
O primeiro passo para iniciar a defesa de Benavides foi pedir um habeas corpus. Para isso fizeram uma minuciosa revisão das provas que levaram à condenação.
Descobriram que, no primeiro boletim médico, não foi detectada nenhuma ferida na área genital, como se elas tivessem surgido depois.
"No primeiro hospital tentaram botar um cateter para tirar sua temperatura. Os especialistas com quem falamos disseram que as feridas encontradas na genital foram resultado disso", diz Bordé.
A partir daí, pediram que especialistas analisassem as provas e os testemunhos dados ao júri. "Todos os que consultávamos diziam que a causa da morte indicada pelo patologista que participou do julgamento era anatomicamente impossível. Ele disse coisas completamente falsas", diz ela.
O patologista declarou que a bebê havia morrido em consequência dos ferimentos anais, e outros médicos testemunharam que os ferimentos teriam sido causados por violência sexual.
Maurice Possley, pesquisador de uma organização americana que acompanhou o caso, diz que a equipe da advogada se baseou no argumento de que a condenação havia sido feita com base em testemunhos médicos falsos, que a polícia e a promotoria haviam omitido evidências e que os promotores haviam apresentado argumentos incorretos.
Quase todos os médicos que testemunharam no julgamento voltaram atrás e se retrataram, dizendo não terem visto os boletins médicos completos que indicavam que não havia evidências de abuso sexual quando a bebê foi examinada no primeiro hospital.
Eles disseram reconhecer que seus ferimentos genitais podem ter sido causados durante o tratamento médico.
Bordé e sua equipe apresentaram em 2007 um documento de 395 páginas para tentar provar a inocência do cliente.
E foi esse documento que acabou sendo chave para que um juiz da Suprema Corte da Califórnia decidisse absolver o fazendeiro mexicano em 2018 e determinar sua libertação.
26 anos de prisão sem culpa
San Quentin (na foto) é a única prisão da Califórnia
que executa pena de morte — Foto: Stephen Lam/Reuters
"Isso é típico para pessoas que não têm dinheiro. Os tribunais têm muitos casos que carecem de provas", diz Bordé.
A colombiana sabia das dificuldades em defender Benavides e conseguir a absolvição de um condenado à pena de morte.
Entre 1979 e 2019, apenas quatro condenados à pena de morte foram absolvidos e liberados na Califórnia. Antes do agricultor, o último caso havia sido no ano 2000.
Desde 1967 até hoje houve 122 absolvições de pessoas condenadas à morte nos Estados Unidos.
O mais recente foi Benavides, que agora vive em algum povoado do México acompanhado de sua família e amigos.
Em vez de dar entrevistas, ele prefere contar sua história e "recuperar o tempo perdido".
ESTADOS UNIDOS