Professora levou banner em braile depois de ser impedida
de usar computador acessível — Foto: Arquivo Pessoal
15 de OUTUBRO 2019 - Luciane Molina é professora universitária. Sua história com a educação não começou por vontade, mas por necessidade. Ficou cega aos 13 anos, passou por uma série de obstáculos na educação e decidiu dedicar a vida para que outros como ela pudessem alcançar horizontes distantes.
“Quando falamos de acesso à educação, precisamos entender que ela precisa ser acessível”.
A mestre em educação de 36 anos perdeu a visão ainda adolescente na escola regular. A deficiência foi um choque para ela e para família, que conheceram um mundo de obstáculos que vão além da falta de pisos táteis e calçadas irregulares. Na escola, livros e apostilas apenas com versão em tinta – termo usado para materiais que não são feitos em braile.
Em Guaratinguetá, cidade onde mora, não havia professores especializados para a alfabetização em braile e ela passou a depender de terceiros para que lessem e escrevessem por ela.
“Buscamos a independência. No meu caso, quanto mais eu tentava ser uma profissional para me desvincular dos meus pais, mais eu dependia deles. A educação não era acessível para mim”, conta.
Ajuda da mãe
Diferente dos pais que influenciam os filhos a trilharem os mesmos caminhos profissionais, ela acabou por desenhar a carreira da mãe que, para que não desistisse do sonho, entrou para a faculdade para cursar pedagogia com ela.
A mãe usava um gravador para traduzir textos e imagens das apostilas para que ela estudasse, escrevia os trabalhos, ajudava na tradução em braile de livros. Em uma comparação, cada página em tinta de um livro, corresponde a cinco impressões em braile. Eram quilos de apostilas e materiais todos os dias.
Um dos episódios mais emblemáticos foi em uma especialização em que a apresentação da pesquisa final deveria ser feita em banner. Como ela não conseguiria ler, pediu apoio de um computador e teve o pedido negado. Em resposta, imprimiu o material em braile.
“Quando os professores viram o banner em braile, disseram que não poderiam ler e avaliar. Eu disse a eles que eu entendia o que estava ali e podia traduzir, da mesma maneira que estavam me colocando. Foi quando percebi que não podia parar”, conta.
Inclusão na educação
As pedras no meio do caminho de Luciane, construíram para ela um caminho: o de lutar por acesso à educação, de fato. Achou que mais de dez anos depois, com o avanço da tecnologia e chegada de ferramentas que possibilitam leitura, escrita e comandos, seria mais fácil.
“Encontrei os mesmos problemas. Salas inacessíveis, materiais inacessíveis. Filmes legendados, sem opções para mim em casos que eles pediam até que eu saísse da sala de aula. Sustentei até o fim e minha tese fala exatamente sobre o caminho da pessoa cega pela educação e hoje estou na universidade para fazer mais por eles”.
Professora na plataforma EAD em disciplinas ligadas a educação, muitos não sabem que ela é cega – uma de suas bandeiras.
“A educação acessível é um direito de todos e não um benefício de quem tem deficiência. Isso criou um estigma e nos afasta ainda mais de um ambiente de equidade”.
Apesar do avanço, ainda há muitas pedras a serem superadas. Provas como o Enem, principal exame para quem quer chegar à graduação, por exemplo, tem 300 páginas na versão em braile. A leitura exige resistência, a fricção dos dedos por tempo tão longo chega a levar a sangramentos.
Luciane diz que não desiste pela paixão pelo poder transformador da educação.
“A pessoa com deficiência está acostumada a ouvir que não é capaz. Encontrar alguém que dê a ele a chance de aprender com equidade pode ser o gás para ir mais longe”.
Na sala de casa, ajuda outros alunos a serem independentes com o uso de ferramentas digitais. Pela tela do computador, ajudou dezenas a se formarem e realizar sonhos de criança: advogados, professores, nutricionistas, engenheiros. Juntos, eles unem as pedras do caminho para construir um novo caminho.
Um exemplo é Mariana Prado, nutricionista. Deixou a universidade depois de perder a visão e passou um ano e meio afastada depois de a universidade responder que não teria como aplicar as disciplinas para ela. Desacreditada do sonho, encontrou a professora e com a ajuda de ferramentas digitais, ganhou a independência.
Aplicativos leem textos, escrevem com base em ditados e em ambientes virtuais, participam das aulas de igual para igual. Hoje, ela atende em um consultório em Cachoeira Paulista e atua com pacientes da Santa Casa da cidade.
“Não ver não me impede de exercer minha profissão ou de ter conhecimento, que é o maior bem de alguém. Isso nos traz dignidade, liberdade. Espero por um dia com mais professores assim, que acreditem em pessoas como nós”.
Para a professora, histórias como essas, a faz realizada na escolha pela educação.
Não é um caminho fácil, não temos os recursos que precisamos. Mas se estou mudando realidades, eu me esforço. Esse era o meu sonho.
CRUZEIRO
15 de OUTUBRO 2019 - Luciane Molina é professora universitária. Sua história com a educação não começou por vontade, mas por necessidade. Ficou cega aos 13 anos, passou por uma série de obstáculos na educação e decidiu dedicar a vida para que outros como ela pudessem alcançar horizontes distantes.
“Quando falamos de acesso à educação, precisamos entender que ela precisa ser acessível”.
A mestre em educação de 36 anos perdeu a visão ainda adolescente na escola regular. A deficiência foi um choque para ela e para família, que conheceram um mundo de obstáculos que vão além da falta de pisos táteis e calçadas irregulares. Na escola, livros e apostilas apenas com versão em tinta – termo usado para materiais que não são feitos em braile.
Em Guaratinguetá, cidade onde mora, não havia professores especializados para a alfabetização em braile e ela passou a depender de terceiros para que lessem e escrevessem por ela.
“Buscamos a independência. No meu caso, quanto mais eu tentava ser uma profissional para me desvincular dos meus pais, mais eu dependia deles. A educação não era acessível para mim”, conta.
Impressão em braile de apostilas e
livros — Foto: Arquivo Pessoal
Diferente dos pais que influenciam os filhos a trilharem os mesmos caminhos profissionais, ela acabou por desenhar a carreira da mãe que, para que não desistisse do sonho, entrou para a faculdade para cursar pedagogia com ela.
A mãe usava um gravador para traduzir textos e imagens das apostilas para que ela estudasse, escrevia os trabalhos, ajudava na tradução em braile de livros. Em uma comparação, cada página em tinta de um livro, corresponde a cinco impressões em braile. Eram quilos de apostilas e materiais todos os dias.
Um dos episódios mais emblemáticos foi em uma especialização em que a apresentação da pesquisa final deveria ser feita em banner. Como ela não conseguiria ler, pediu apoio de um computador e teve o pedido negado. Em resposta, imprimiu o material em braile.
“Quando os professores viram o banner em braile, disseram que não poderiam ler e avaliar. Eu disse a eles que eu entendia o que estava ali e podia traduzir, da mesma maneira que estavam me colocando. Foi quando percebi que não podia parar”, conta.
Luciene dá aulas atualmente em uma universidade — Foto: Arquivo Pessoal
As pedras no meio do caminho de Luciane, construíram para ela um caminho: o de lutar por acesso à educação, de fato. Achou que mais de dez anos depois, com o avanço da tecnologia e chegada de ferramentas que possibilitam leitura, escrita e comandos, seria mais fácil.
“Encontrei os mesmos problemas. Salas inacessíveis, materiais inacessíveis. Filmes legendados, sem opções para mim em casos que eles pediam até que eu saísse da sala de aula. Sustentei até o fim e minha tese fala exatamente sobre o caminho da pessoa cega pela educação e hoje estou na universidade para fazer mais por eles”.
Professora na plataforma EAD em disciplinas ligadas a educação, muitos não sabem que ela é cega – uma de suas bandeiras.
“A educação acessível é um direito de todos e não um benefício de quem tem deficiência. Isso criou um estigma e nos afasta ainda mais de um ambiente de equidade”.
Apesar do avanço, ainda há muitas pedras a serem superadas. Provas como o Enem, principal exame para quem quer chegar à graduação, por exemplo, tem 300 páginas na versão em braile. A leitura exige resistência, a fricção dos dedos por tempo tão longo chega a levar a sangramentos.
Professora ensina braile para outros alunos com deficiência visual — Foto: Arquivo Pessoal
Luciane diz que não desiste pela paixão pelo poder transformador da educação.
“A pessoa com deficiência está acostumada a ouvir que não é capaz. Encontrar alguém que dê a ele a chance de aprender com equidade pode ser o gás para ir mais longe”.
Na sala de casa, ajuda outros alunos a serem independentes com o uso de ferramentas digitais. Pela tela do computador, ajudou dezenas a se formarem e realizar sonhos de criança: advogados, professores, nutricionistas, engenheiros. Juntos, eles unem as pedras do caminho para construir um novo caminho.
Um exemplo é Mariana Prado, nutricionista. Deixou a universidade depois de perder a visão e passou um ano e meio afastada depois de a universidade responder que não teria como aplicar as disciplinas para ela. Desacreditada do sonho, encontrou a professora e com a ajuda de ferramentas digitais, ganhou a independência.
Aplicativos leem textos, escrevem com base em ditados e em ambientes virtuais, participam das aulas de igual para igual. Hoje, ela atende em um consultório em Cachoeira Paulista e atua com pacientes da Santa Casa da cidade.
“Não ver não me impede de exercer minha profissão ou de ter conhecimento, que é o maior bem de alguém. Isso nos traz dignidade, liberdade. Espero por um dia com mais professores assim, que acreditem em pessoas como nós”.
Para a professora, histórias como essas, a faz realizada na escolha pela educação.
Não é um caminho fácil, não temos os recursos que precisamos. Mas se estou mudando realidades, eu me esforço. Esse era o meu sonho.
CRUZEIRO
Por Poliana Casemiro, G1 Vale do Paraíba e Região